sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

PIVA III

Fonte: Renata D´Elia

Acabo de voltar do Hospital das Clínicas, onde visitei o poeta Roberto Piva. Está bem acomodado num quarto duplo, as enfermeiras e médicos são atenciosos, todos os exames estão sendo feitos e, neste momento, estamos tentando convencê-lo de que a comidinha sem sal do hospital não é tão ruim assim. Está mais animado e ansioso para receber a penca de livros de Pasolini e Castañeda que nos pediu. Me pediu também um bloco e uma caneta para escrever -- e esse não é o tipo de pedido que se nega a Roberto Piva, né? Devidamente providenciado.

Disse que quer ouvir "notícias curativas". Agradeço aos que estão sendo solidários para que possamos levá-las até lá.

Piva II

POST ORIGINALMENTE TIRADO DE http://magiconsundays.blogspot.com/

By: Renata D´Elia


O poeta Roberto Piva foi transferido neste fim de tarde para um outro quarto no Hospital das Clínicas. O local é bastante arejado e ele está na companhia de apenas mais uma pessoa, bastante satisfeito com a nova acomodação.

Conforme divulgado no post anterior, Piva está recebendo bons cuidados da equipe médica do HC. Ele deve passar por um Cateterismo nos próximos dias. No momento, a prioridade é fortalecê-lo e garantir-lhe um bom funcionamento cardíaco. Posteriormente serão feitas 2 cirurgias: próstata e catarata.

Como qualquer grande homem de 73 anos, acostumado a devorar Leitões à Pururuca & outros banquetes, Piva reclamará da comida do hospital, "sem sal e sem gosto", em qualquer quarto do mundo. E nem precisa ser poeta pra reclamar disso: costuma ser assim conosco, com nossos amigos, nossos pais e avós. Ou alguém aqui trocaria uma pizza de mussarela por um purê de batatas sem sal?

Portanto, vamos continuar torcendo para que ele se recupere logo. O apoio dos amigos é sempre bem-vindo. Desde já, gostaria de agradecer aos que me ajudam a divulgar esses esclarecimentos referentes à internação do Piva. Peço que continuem a divulgar.

Roberto Piva Urgente

Fonte: Blogue do Ademir Assunção


PIVA URGENTE



Roberto Piva, um dos maiores poetas brasileiros, está internado na enfermaria do Hospital das Clínicas, em estado precaríssimo. Piva tem 73 anos e sofre de mal de Parkinson. Segundo o poeta Celso de Alencar, que o visitou ontem, ele está num verdadeiro inferno dantesco.

Nos últimos anos, Piva teve suas obras completas reunidas pela editora Globo em três volumes: Um Estrangeiro na Legião, Mala na Mão & e Asas Pretas e Estranhos Sinais de Saturno. Sua poesia voltou a circular como um furacão, mas o poeta continuou vivendo em situação precária. É comum os amigos se cotizarem para comprar os remédios que ele precisa para manter os efeitos do mal de Parkinson num nível razoável.

Artistas não vivem de elogios.

É preciso tirá-lo da enfermaria do HC e transferí-lo para um quarto. Urgente. Isso é o mínimo nesse momento.

Ou as palavras do próprio poeta vão se confirmar como uma nefasta profecia?:

“O objetivo de toda Poesia & de toda Obra de Arte foi sempre uma mensagem de Libertação Total dos Seres Humanos escravizados pelo masoquismo moral dos Preconceitos, dos Tabus, das Leis a serviço de uma classe dominante cuja obediência leva-nos preguiçosamente a conceber a Sociedade como uma Máquina que decide quem é normal & quem é anormal.”

“... criminosos fardados & civis têm o poder absoluto para decidir quem é útil & quem é inútil”.

“Enquanto isso, os representantes da poesia oficial & os engomados homens de negócios trocam entre si, numa reciprocidade suspeita, discursos &homenagens estourando de vaidade diante do aplauso de seus concidadãos. O que eu & meus amigos pretendemos é o divórcio absoluto da nova geração dos valores destes neomedievalistas”.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Uma viagem

- Foi alguma coisa que eu disse?

- Eu não sei. Não me disseram nada.

- Mas, então, é só isso?

- Sim.

- Sem previsão de retorno?

- Sem previsão.

Às minhas costas deveria estar chovendo, sentia uma angústia imensa, maior do que qualquer nuvem. Estava um dia ensolarado. Os cachorros brigavam por uma calda de sombra, os buços e sobrancelhas das senhoras pingavam gotas de suor.

- Eu devo ter feito algo de errado. Não é comum mandarem pessoas para Pitrando a troco de nada.

- A mim não me disseram nada.

- Não tem, ao menos, um palpite?

- Bom, ouvi dizer que foram seus olhos.

- Meus olhos?

- Sim. Eles falam demais.

Na minha mala apenas um diário, roupas e fotografias sem rosto. Fotografias tão antigas e desbotadas que não me lembro se o casal que sorri são meus avós ou meus pais.

- E não é que conseguiram mesmo te expulsar daqui? – sorria uma senhora que tricota a mesma blusa desde que eu tinha cinco anos e quebrara sua janela com uma pedrada.

Sorria orgulhosa dos dentes que não tinha. Atrás de si, o rombo do tamanho de meu punho na janela. Quiçá minha pedra ainda repousa em cima de uma mesa de mogno, ao lado das imagens de santos e candelabros enferrujados.

- Eu voltarei logo, vou só pegar algumas assinaturas.

A velha desatou a rir até engasgar com um tufo de ar; tossia mares de fleuma, tossia a ponto de erguer as mãos num gesto de súplica, para que parasse de uma vez ou a levassem logo. A tosse não cessou, me afastei dela e de seu dedo hirto como uma espada, apontado para mim, movendo-se ao ritmo do peito e da canção que sua garganta entupida entoava.

No espelho da rodoviária topei com meu reflexo segurando uma mala e o jornal do dia. Aproximei-me; havia algo nos meus olhos, um brilho estranho, queria me dizer algo:

- Você fala demais.

No interior das minhas mãos suadas, o bilhete. Ao fundo, uma voz eletrônica chamava a todos que teriam como destino a cidade de Pitrando, para se reunirem no saguão imediatamente.

Quando cheguei no saguão um garotinho pegou minha mala e correu. Antes que pensasse em ir atrás dele, uma mulher insistiu para que eu entrasse no ônibus, cuja entrada não identificava claramente; tudo na estação estava coberto por névoa e cinza.

- Você não vai precisar dela. Não se preocupe. – Disse a mulher que recolhia as passagens.

Olhei para trás ainda pensando em minha mala e num átimo, como que sugado por um vácuo, fui engolido.

A passagem era apenas de ida.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Lembranças

Aí então eu me levantei com as costas doloridas, pesadas de tanto carregar recordações; já não tinha nada para dizer quando os garçons se atrapalharam com nossos pedidos e fomos obrigados a encarar a fome de outro casal; pedi ao garçom que deixasse o vinho branco porque sei que você não gosta. Deixe tudo meu caro, deixe tudo exatamente como está.
Diante de nós uma refeição inteira que não é nossa e nem poderia ser, pois não sentimos mais fome um do outro. Somos dois estômagos vazios, dois esqueletos roendo o próprio osso.
De pé, antes de sair, procurei por entre mesas qual aguardava a comida, ou reclamava para o garçom que a bebida estava atrasada. Procurei por um casal ansioso para dividir o vinho branco gelado, os talheres e os lençóis.
Fui para a saída achando graça na forma violenta que minhas pernas usaram para me erguer. Só assim, com o ruído da cadeira quase caindo ao chão, consegui romper seu silêncio e ouvir a sua voz abismal: O que é isso?
Meu pedido de desculpas esvaeceu entre os dentes, num sorriso de cãibra, amarelado; parti deixando minha jaqueta na cadeira e o garçom a se perguntar por que tudo tem que acabar assim.
Apressado, buscava pelos bolsos da calça as chaves do carro; encontrei apenas recibos, notas, lembretes. Às vezes tenho a impressão de que meus bolsos são como tumbas violadas: neles só se encontram restos e poeira, nunca os mortos. Onde foram parar as malditas chaves?
Num ato desesperado, no bolso da minha camisa, todo amarrotado, encontrei um pedaço de papel cujo timbre era idêntico ao do boné do manobrista. Entreguei-o e paguei a taxa do estacionamento, com a impressão que dei mais do que devia.
Entrei no carro, ansioso para ir embora mesmo sem ter pra onde ir. Evitei olhar o banco do passageiro, mas fui traído pela memória das minhas mãos e, quando dei por mim, estava tateando o banco em busca das suas pernas; acariciava-o como se fosse um cachorrinho perdido.
Ligo o rádio e dou a partida. Partida para onde?
Na minha frente você entra num taxi. Não me procura; simplesmente entra e senta no banco de trás do carro branco.O taxista pergunta:
---- Para onde?
Em uníssono respondemos:
---- Não sei.

Hickup

Eu queria que tudo se passasse com a velocidade dum raio, que viesse para deixar uma pequena cicatriz, feita de corte, nem que fosse de papel. Queria que essa marca ficasse no teu dedo para sempre, embora doesse apenas um instante. Queria que minhas palavras morressem de soluço.

R.B.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Trecho de A Filha do Caos - Murilo Mendes

Que nem Deus terá coragem
De penetrar em teus sonhos!
Cuspirás no meu cadáver,
Do cuspo saem rajadas,
De granizo, que destroem
Este mundo e a Criação.


Feliz 2010 para todo mundo.

E aguardem, meu livro está chegando.

Abraços.