quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Novidades

Boa Noite pessoal,

sei que estive ausente por um longo tempo, mas é que estou trabalhando num livro de contos que quero publicar o ano que vem.

Ademais, venho mais para informar que um de meus contos foi selecionado para participar de uma antologia a respeito da cidade de São Paulo, organizada pela Editora Andross. Fiquei muito feliz com a escolha e certamente, vai me manter motivado para continuar escrevendo.

Quando tiver mais notícias da publicação, avisarei.

"Ninguém ampara o cavaleiro delirante"
Murilo Mendes

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Microdefinição do Autor - Murilo Mendes

(A)
Sinto-me compelido ao trabalho literário:

pelo desejo de suprir lacunas da vida real; pela minha teimosia em rejeitar as "avances" da morte (tolice: como se ela usasse o verbo adiar); pela falta de tempo e de ideogramas chineses; pela minha aversão à tirania - manifesta ou súbdola; à guerra, maior ou menor; pelo meu congênito amor à liberdade, que se exprime justamente no trabalho literário; pelo meu não-reconhecimento da fronteira realidade-irrealidade; pelo meu dom de assimilar e fundir elementos díspares; pela certeza de que jamais serei guerrilheiro urbano, muito menos rural, embora gostasse de derrubar uns dez ou quinze governos dos quais omitirei os nomes: receio que outro governos excluídos da minha lista negra julguem que os admiro, coisa absurda; porque sou traumatizado pela precipitação diária dos fatos internacionais; por ter visto Nijinski dançar; pelo meu apoio ao ecumenismo, e não somente o religioso; por manejar uma caneta que, desacompanhando minha idéia, não consegue viajar a velocidade de mil quilômetros horários; pelo meu ódio fisicocerebral ao fascismo, ao nazismo e suas ramificações ; pela preferência a preferir Aliocha a Ivan Karamazov....

Murilo Mendes - Microdefinição do autor

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Melodia - Ficções Lunares - Álvaro Cardoso Gomes

Insone e aterrado pelo furor da noite branca, ele se dobrou ao vezo de uma voz que lhe sussurrou, sibilina: se ousares lutar contra a tirania das palavras sedentárias, então poderás adentrar a verde e fresca espessa, onde o ácido e o cintilante perfume das laranjas te perfumará o hálito, onde tu te irmanarás aos irmãos hirsutos e plumados e onde tu serás inebriado pelo débil e laborioso canto das abelhas, que te adoçará o sangue e embriagará de melodias o oco do teu coração vazio.



sábado, 7 de novembro de 2009

Trecho - Sombras

Logo pela manhã não me sentia muito bem; ontem quando o sol se despediu não me sentia nada melhor. Algo ardia dentro de mim, podia ser o começo de uma gripe. Para piorar minha condição fiquei o dia inteiro de pé no ponto de ônibus,sem que nenhum aparecesse, isso apenas abrandou meu cansaço. Tudo o que eu mais queria era deitar e dormir.

Quando desci do taxi improvisado, um pequeno prédio desafiava as alturas com seus poucos andares e, ao mesmo tempo, tocava o lamaçal que um dia fora um jardim diante da recepção. Não conseguia distinguir muito bem as figuras à minha frente, mas entre a realidade e o bloco de concreto, algumas crianças passaram voando.

Não imaginava que adiariam o congresso para o dia seguinte, por isso tencionava chegar, ler meu discurso e ir embora; não pretendia ficar mais que seis horas na cidade: mas era preciso mudar os planos, precisava descansar e ficar num desses quartos de hotel é mais seguro do que dormir na rua ou num albergue.

Meus passos cruzaram a esmo a porta de entrada e chegaram ao que se diria fazia às vezes de recepção. A atendente, muito atenciosa, perguntou o que eu vinha achando da cidade. É linda. Foi tudo que consegui inventar na hora. Ela sorriu e desviou o olhar para ver o que o filho estava fazendo escondido debaixo do balcão. Assinei os papeis e, carregando minhas únicas peças de roupa no corpo, subi para o segundo andar.

A imagem de uma cama toda feita de tubos de metal e um colchão fino como uma folha de papel saltaram diante dos meus olhos. Minha coluna reclamou com um estalo premonitório.

A porta do quarto estava aberta. Entrei e fechei-a sem trancar. Deitei na cama que se apresentou muito mais confortável do que eu imaginei. Observei o céu pela janela que já estava aberta. O céu roxo era maquiado por nuvens alaranjadas. Gosto do pôr-do-sol alaranjado, me lembra uma Petersburgo que não conheci senão dentro de mim mesmo. As luzes da rua se acenderam e tudo se fez noite num único instante. Certamente os prédios começaram a luzir aqui e ali, as esquinas, as lojas e os restaurantes perdiam seu ar lúgubre.Toda a cidade se transformou diante de mim, ao meu redor e não pude deixar de rir. Como um raio de luz pode mudar tudo, simplesmente tudo!

R.B.

06.11.09

sábado, 31 de outubro de 2009

Mauricio de Almeida

e sobre seus próprios pés de peito esfolado ele se ergueria, estendendo os braços com o esforço de um Golias em dúvidas para encarar os olhos de escárnio e as bocas aflitas daqueles dois que murmurariam a estranheza de vê-lo desconfortável debaixo de tantos pés. E ainda que sentisse o peso de tudo e a boca cheia de ódio, fincava os dentes nos lábios para aos poucos se afogar também no sangue que lhe descia até as amídalas, deixando um gosto amargo de ferrugem, pois pouco podia fazer enquanto todos estivessem enfiados calmamente em suas monotonias.
E nem mesmo um
- seus imbecis
tiraria a mãe de sua confissão aos prantos sobre a eterna incapacidade de mudar, nem mesmo um
- seus putos imbecis
alteraria sequer uma vírgula do monólogo que escorria junto à torneira...

Maurício de Almeida, Beijando Dentes. Ed. Record.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Lavoura Arcaica - Raduan Nassar

"Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto; róseo, azul ou violáceo, o quarto é inviolável; o quarto é individual, é um mundo, quarto catedral, onde, nos intervalos da angústia, se colhe, de um áspero caule, na palma da mão, a rosa branca do desespero, pois entre os objetos que o quarto consagra estão primeiro os objetos do corpo;"

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O Circo

O manto de luz deixa o picadeiro
banhado pelo lábio ardido do vento,
enquanto alguns distintos palhaços,
varrem o resto dos seus pedaços.

Se a flor ainda estiver viva
que respire o resto de alento,
e que a vista não confunda
qualquer silêncio com assentimento.

Um dia o leão se cansa de rugir
e seus colegas cantam o mesmo tom.
Um dia a barba da mulher recusa-se a surgir
e os aplausos não emitem algum som.

Hora de recolher a lona por mãos feitas de sombra
apagar a chama no peito ardido do homem-bomba.
Pois no fim sobram sempre os mesmos palhaços
varrendo o resto dos meus pedaços.

Ricardo Bruch
De ponta cabeça no trapézio, 22 de outubro de 2009

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Goethe e a criação

Goethe dizia que toda busca envolve vários erros. Quem não tem coragem de errar não dá um passo novo e prefere trilhar caminhos que já foram trilhados, citando e analisando o que já foi dito antes.

É preciso livrar-se do compromisso com o êxito para poder criar. O êxito, como objetivo, é castrador da criatividade e pode até significar concessão à mediocridade.

sábado, 17 de outubro de 2009

Árvore de Natal - Trecho

Eis um trecho de um conto de minha autoria denominado Árvore de Natal:


Árvore de Natal
Para M.B.F

Eu queria sussurrar no teu ouvido que essa cidade é uma árvore de natal gigante, que os semáforos são bolas que a enfeitam, que os postes de luz circundam seu corpo e reluzem pelos quatro cantos dos seus olhos. As pessoas, os carros, as almas em revelia são atavios pendurados nos enormes galhos de concreto. Almas aladas se dependuram no topo de arranha-céus ou se fincam na base, espreguiçados nas calçadas, mas não importa onde estão, todos, sem exceção, dançam sapateando pelas bordas do seu limite, se aventuram na boca do abismo, pulam das suas mãos para sua cabeça, pras suas entranhas, em busca algo que não se define nem se identifica.
R.B.
Não concluído, ainda.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

VISITEM!!! ROTEIRISTA BRASILEIRO FAZENDO ARTE EM L.A.

O título do post lembra à filme do Eddie Murphy na sessão da tarde? ou seria do Chevy Chase? Pode até ser do Ashton Kutcher antes de pegar a Demi Moore, mas a verdade é que um grande cara está em Los Angeles, rocking the modafucking house, breaking the gringas heart e, quando não está ocupado fazendo a primeira opção ou a segunda, se dedica à um curso para roteiristas bem bacana!
Não deixem de visitar que é bem legal.

A-Head é o título do blog.

Um abraço pra todo mundo.
André.

Blog A-Head
http://mtv.uol.com.br/ahead/blog/estreia-saiba-tudo-sobre-um-roteirista-que-tenta-vida-em-los-angeles

Recomendação

E aí Rapaziada? Tudo tranquilo?
Interrompi meus estudos rumo à magistratura paulistana para honrar um dos meus maiores ídolos: "Chiquinho" Buarque de Holanda.
Está nas livrarias um livro chamado História das Canções: Chico Buarque de Wagner Homem.
O livro conta as histórias por trás das letras, com comentários do Chico e tiras de jornal da época. Bem bacana mesmo.
Está aí minha indicação.



quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Cocktail Party - Mario Quintana


Não tenho vergonha de dizer que estou triste,
Não dessa tristeza ignominiosa dos que, em vez de se matarem, fazem poemas:
Estou triste por que vocês são burros e feios
E não morrem nunca...
Minha alma assenta-se no cordão da calçada
E chora,
Olhando as poças barrentas que a chuva deixou.
Eu sigo adiante.
Misturo-me a vocês.
Acho vocês uns amores.
Na minha cara há um vasto sorriso pintado a vermelhão.
E trocamos brindes,
Acreditamos em tudo o que vem nos jornais.
Somos democratas e escravocratas.
Nossas almas? Sei lá!
Mas como são belos os filmes coloridos! (Ainda mais os de assuntos bíblicos...)
Desce o crepúsculo
E, quando a primeira estrelinha ia refletir-se em todas as poças d'água,
Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Bon Iver - Lump Sum

Rapaziada, dando uma olhada nos blogs que estão aqui do lado, achei o do escritor lusitano Carlos Vaz. Nunca imaginei que ia encontrar o que encontrei: Bon Iver. Certamente o nome desse rapaz não remete à nada logo, em tese, não se poderia dispensar apresentações, mas nesse caso irei contra as convenções.

Não vou apresentá-lo. O nome é Bon Iver e a música é Lump Sum. O resto é com vocês.

Divirtam-se

R.B.

Clarice Lispector

Eu confesso que não tenho conseguido escrever nada que preste para compartilhar aqui com vocês, portanto, até que me sinta confiante para postar algo novo, nem que sejam versinhos que faço para minha mulher, vou colando trechos de livros que eu gosto muito.
Este abaixo é da Clarice Lispector. Espero que gostem.

"Se um dia eu voltar a escrever ensaios, vou querer o que é o máximo. E o máximo deverá ser dito com a matemática perfeição da música, transposta para o profundo arrebatamento de um pensamento-sentimento. Não exatamente transposta, pois o processo é o mesmo, só que em música e nas palavras são usados instrumentos diferentes. Deve, tem que haver, um modo de se chegar a isso. Meus poemas são não-poéticos mas meus ensaios são longos poemas em prosa, onde exercito ao máximo a minha capacidade de pensar e intuir. Nós, os que escrevemos, temos na palavra humana, escrita ou falada, grande mistério que não quero desvendar com o meu raciocínio que é frio. Tenho que não indagar do mistério para não trair o milagre. Quem escreve ou pinta ou ensina ou dança ou faz cálculos em termos de matemática, faz milagre todos os dias. É uma grande aventura e exige muita coragem e devoção e muita humildade. Meu forte não é a humildade em viver. Mas ao escrever sou fatalmente humilde. Embora com limites. Pois do dia em que eu perder dentro de mim a minha própria importância — tudo estará perdido. Melhor seria a empáfia, e está mais perto da salvação quem pensa que é o centro do mundo, o que é um pensamento tolo, é claro. O que não se pode é deixar de amar a si próprio com algum despudor. Para manter minha força, que é tão grande e helpless como a de qualquer homem que tenha respeito pela força humana, para mantê-la não tenho o menor pudor, ao contrário de você. Ficaram em silêncio."

Elegia Urbana - Mario Quintana

Eu não sei se tive oportunidade de dizer isso aqui antes, mas sou aficcionado por poesia. Não tenho um poeta favorito, mas leio com freqüência Drummond, Quintana, Rimbaud, Piva e etc... sempre que achar algum poema oportuno, postarei aqui.

Ontem eu devia ter postado esse aqui, mas não tive tempo, então segue, para que todo domingo ele seja lembrado:

ELEGIA URBANA - Mario Quintana

Radios. Tevês.
Goooooooooooooooooooolo!!!
(O domingo é um cachorro escondido debaixo da cama)



Boa Semanas para todos.
R.B.

sábado, 3 de outubro de 2009

Oposição

"É preciso abrir-se mesmo em face da oposição mais hostil. Ainda que nada nos motive, devemos sempre desfolhar as pétalas do coração"

Rinpoche

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Fantasmas na Times Square

Caminhei um pouco mais. Subitamente me ocorreu que ela tinha sido minha mãe há uns cento e cinqüenta anos atrás, na Inglaterra, e eu era seu filho salteador retornando do cárcere para assombrar seu honesto ganha-pão na taverna. Enregelado pelo êxtase estanquei na calçada. Olhei para a Rua Market. Não conseguia saber se era mesmo ela ou a Rua do Canal em Nova Orleans: afinal ao dar na água, na água ambígua e universal, assim como a rua 42 em Nova York leva em direção à água, de modo que você nunca sabe onde está. Pensei no fantasma de Al Hinkle na Times Square. Eu delirava.

Jack Kerouac - On The Road

domingo, 27 de setembro de 2009

A Depressão de Denver

Certa manhã Allen acordou e escutou "pombos vulgares" grasnando do lado de fora de seu cubículo; viu "tristes rouxinois" encurvando os galhos que lhe fizeram lembrar a mãe. Um manto cinzento caiu sobre a cidade. As montanhas --- as magníficas Rochosas que podiam ser vistas do Oeste de qualquer lugar da cidade --- eram de "papier maché". O universo inteiro era demente e absurdo e extremamente estranho.

On the Road - Jack Kerouac

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Pretensões

Eu não tenho pretensões, confesso que as tive num dia não muito distante, mas hoje, decidi. Eu não tenho e nem quero ter pretensões.

Elas nascem de um sonho; aquele sonho bom, que não se tem vontade de acordar. Por isso, enfeitiçado, deixei que se aproximassem de mim.

Logo criam braços e pernas, não altos nem fortes o suficiente para superar obstáculos; aprendem algumas coisas, mas não ficam inteligentes o bastante para defender sua existência; nem tão independentes para pensarem por si mesmas e abandonar este pobre hospedeiro, que não dorme há dias, com medo dar vida à novas pretensões e acabar sufocado por elas durante o sono.

As pretensões envelhecem, mas não como nosso corpo. Você vai envelhecer vinte anos e a pretensão ainda será criança, nova, descobrindo as coisas belas e ignorando as reais da vida. Insuportavelmente nova demais para meus olhos.

Eu matei minha pretensão.

Num golpe certeiro, no coração que pulsava forte.

Cansei-me do seu riso, da sua determinação e inocência. Aquela voz fina e infantil dizendo: continue, continue, insista, persista, você pode.

Chega! Eu gritei.

Vá e me deixe, que eu estou cansado. Vá e junte-se às demais pretensões que invadiram minha cabeça. Deve ter sido a gravidade e o volume da minha voz, mas elas me obedeceram e sumiram. Para sempre.

Orgulhoso, eu vejo que aprendi a lidar perfeitamente com as pretensões.

Agora, nestes instantes finais, preciso descobrir o que vou fazer com o fantasma de cada uma delas: as frustrações.
R.B.

Antonio Abujamra lendo Mario Quintana - OUÇAM O LINK DE AUDIO!

Seiscentos e Sessenta e Seis - Mario Quintana
Interpretação Livre de Antonio Abujamra

A vida são
Deveres que nós
Trouxemos para
Fazer em casa
Quando se vê já são
Seis horas...
Quando se vê já é
Sexta feira
Quando se vê já é Natal...
Quando se vê já
Terminou o ano
Quando se vê, não
Sabemos mais por
Onde andam nossos amigos
Quando se vê,
Perdemos o amor da
Nossa vida
Quando se ê,
Passaram-se 50 Anos
Agora, é tarde demais
Para ser reprovado
Se me fosse dado,
Um dia, uma oportunidade,
Eu nem olhava o Relógio
Seguiria sempre e em
Frente e iria.
Jogando pelo Caminho.
A casaca dourada e inútil das horas
Seguraria todos os meu amigos,
Que já não sei onde e como
Estão e diria
Vocês são extremamente
Importantes para mim
Seguraria o meu amor,
Que está, há muito, à minha frente, e diria:
Eu te amo
Dessa forma, eu digo
Não deixe de fazer algo
Que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter alguém
Ao seu lado, ou de fazer
Algo, por puro medo de ser feliz.
A única falta que será,
será desse tempo
Que infelizmente
Não voltará mais.

Antonio Abujamra - Mario Quintana

Alquimia do Verbo

DELÍRIOS

II ALQUIMIA DO VERBO

Para mim.
A história das minhas loucuras.
Há muito me gabava de possuir todas as paisagens possíveis, e julgava irrisórias as celebridades da pintura e da poesia mo- derna.
Gostava das pinturas idiotas, em portas, decorações, telas circenses, placas, iluminuras populares; a literatura fora de moda, o latim da igreja, livros eróticos sem ortografia, romances de nossos antepassa- dos, contos de fadas, pequenos livros in- fantis, velhas óperas, estribilhos ingênuos, rítmos ingênuos.
Sonhava com as cruzadas, viagens de descobertas de que não existem relatos, repúblicas sem histórias, guerras de religião esmagadas, revoluções de costumes, des- locamentos de raças e continentes: acreditava em todas as magias.
Inventava a cor das vogais! A negro E branco, I vermelho, O azul, U verde. Regulava a forma e o movimento de cada consoante, e , com ritmos institivos, me vangloriava de ter inventado um verbo poético acessível, um dia ou outro, a todos os sentidos. Era comigo traduzí-los. Foi primeiro um experimento. Escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens.

(Rimbaud)
Tradução de Paulo Hecker Filho

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Ode ao Anjo Caído - Para Minha Donzela del Tijuca

Eu vejo um coração apertado num espírito sem tamanho; a alma voa em turbilhões de poeira, cansaço e perguntas sem respostas. Ela pensa em desistir mil vezes por segundo, deixa que a aflição lhe atinja como uma onda de acrílico; não pede socorro, não pede ajuda. O coração não sente a mesma ansiedade que faz tremer os ossos, a biologia não conhece o seu corpo, que reage conforme o vento que sopra do sul, ou será do leste, ou do oeste, ou de onde quer que o seja que o vento nasça. Que me me importa! eu tenho medo, ela diz. Eu me sento, ela se levanta, eu me contraio como um caramujo, como areia movediça; enquanto dimiuo ela arranca forças das raízes luminosas do universo e se expande. O medo que andava de mãos dadas com a angústia deu forças à liberdade, e agora a liberdade rompe seus grilhões de polvilho, grilhões de plumas velhas. Ela se levanta. Para minha estupefação, ela se levanta como uma Deusa, uma divindade, ela aponta seus dedos brilhantes para mim. Toca meu rosto. Os papéis se invertem. Sou eu que peço ajuda e rezo salmos inauditos, sou eu que tremo e derrubo meu chão com um golpe violento, sou eu que choro sem razão. Sou eu que não vejo a luz da tua presença. A tua luz azul; a tua luz verde; a tua luz de vogais e de esperanças, de sonhos realizados. A tua presença.
Te admiro como se admira uma pétala rara de uma rosa multicolorida, todas as matizes lindas do universo. Converso com a tua alma em busca de segurança no teu hálito, eu caminho para te alcançar sempre. Sigo a tua luz e sigo, com passos rápidos para não perder nenhum do teu instante de regozijo infinito.

Infinito, 23 de setembro de 2009.

R.B.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Reescrever

Perguntaram para o Roberto Piva como ele escreve os poemas dele, a resposta foi:
Com a caneta.

Depois, perguntaram para ele se chegava a reescrever os poemas, e ele disse:
Que reescrever o que! Não tenho tempo para perder com poesia. É preciso viver a vida.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Memórias 2

A linha da vida, tremula entre as folhas de papel, a sombra das cerejeiras duma Atlântida Tropical, o mar transparente, de água mineral, ondas batiam suavemente na encosta dizendo que o dia há de chegar, o chão ruirá num espiral; o herói sucumbirá com o tempo. Páginas rasgadas, palavras entrecortadas no lixo me observavam aflitas. A hora está próxima.
E o vestibular, perguntou o outro lado do universo; um raio cruzou o meu mundo culminando numa pancada na nuca, diretamente das mãos macias do mundo real; encarei Maria nos olhos e roguei. O despertador tocou dezoito vezes e eu nem ouvi. Esperanças recém-nascidas subiam a escada, estampavam suas felicidades egoístas com outdoors de neon na porta do meu quarto, finjo dormir; onde está o meu caderno e o meu lápis? Recebi apostilas para devorar e morrer melhor. As esperanças da minha avó roíam as unhas, o queixo entre as mãos, olhos arregalados.
Tomo carona num navio negreiro todas as manhãs; mãos nas pernas, sorrisos forçados no retrovisor. Há algo errado com você, diz meu pai. Na minha cabeça as sereias fazem sonetos e reclamam da minha ausência. Eu tenho certeza que você passa logo de primeira, continua meu pai. Eu estava em quinta na ladeira da minha Antártida, pensei em dizer. Desço do comboio e me reúno com almas penadas, pálidas e angustiadas. Somos idênticos na aflição, meu caro; A nossa causa é perdida, soldados, mesmo feridos, não têm escolha, por isso estamos aqui, moribundos, num campo de batalha estéril e inerte; a vida é uma merda. Foram essas as únicas palavras dirigidas a mim no primeiro dia de aula. Nunca mais vi o sujeito, os anjos devem tê-lo aprisionado: sabia demais.
Em casa, escondidos, meus pés descalços dançavam no barro do chão de taco, criava presas, surpresas, fugazes alegorias de tinta azul; uma aflição põe meus ossos para bailar e as palavras, ciganas, pichavam a palavra “destino” nos muros de papelão; e o vestibular, insistiam em uníssono. Só me restava desaguar na minha Guanabara de Faber-Castell, erguendo a bandeira dos afogados.
Uma vontade de seguir o caminho com os marinheiros move o volante do meu peito rumo ao infinito; não caibo nas cadeiras com braceiras; pernas roçando, mãos trêmulas e corações batendo entre os dentes. Sonhos de náufragos, aspirações, devir na ponta da caneta. A expectativa me causa aflição (colher de metal raspada na panela de alumínio).
A lousa negra, o giz rosa, uma vontade de navegar pelas folhas em ondas de letras miúdas; tenho histórias para contar, não contava isso pra ninguém. Não posso negar a queda ao abismo. Não posso. Ecos no meu crânio. Os anjos se entreolham, sem ação, quando desenho chifres em Dom Pedro II. A princesa Isabel dançava nua na minha apostila. Eu sou o capitão do meu navio e ele não vai atracar no cais dos futuros delineados com lápis negro.
Na minha proa, as expectativas estão vendadas, minha avó fala comigo segurando o bisturi, sentindo com a ponta dos dedos gelados a pulsação do meu diploma natimorto.
“Não vou fazer o vestibular”. Escolhi o almoço de domingo; o Sol dormia em serviço e não viu nada. As mãos do meu pai em catarse, a boca viciosa da minha mãe, anestesiada de vinho chileno, desenhou um sorriso ao vácuo daquilo que esperava. O filho estranho apronta mais uma das suas. Queriam dizer falaremos a respeito disso depois, mas não disseram. Minha avó em vertigem, Netuno com batom e laquê, revoltou o mar das expectativas naufragadas, convocou os piratas e os aportou na minha cidade perfeita, ela incitou os marinheiros, os tripulantes do meu navio ao suicídio e à loucura. Não há futuro nesta vida, meu neto. As sombras não recebem salário, não se casam, não possuem imóveis. Vai viver de quê?
Eu era jogado pelos cantos do navio, destruíram meu convés, o timão foi jogado ao mar com alguns dos meus tripulantes, o fim estava próximo, convenciam-se da minha loucura; vestibular ou hospício, eu não via a diferença: que se exploda o mundo, que Netuno enfie seu tridente nos meus olhos e que a vida me atire como rojão. Quero explodir num céu estrelado, de terça-feira de carnaval, com pierrot chorando pela columbina, nua na cama do porta-bandeira. Minha Catedral de Notre-Dame sucumbiu à tempestade num copo d´agua.
Segundos antes da última bolha vejo uma mão, antiga, sapiente, puxou-me de volta para a terra com tanta força que quase me escalpelou, dedos de pedra em riste, à guisa de salvação do marinheiro perdido; empurrou meu navio de volta ao mar e jogou um pirata russo na minha embarcação. Sigamos em frente, com esperança, meu neto. Tenha esperança. Meu avô me entendia.
Seguindo sua bussola, à noite me perdi, deitado na minha cama de palha, o russo incutia idéias e um universo diferente na minha cabeça. Você não sabe de nada ele dizia. Não preguei os olhos a noite inteira, apenas ouvindo o que ele tinha pra me dizer. Eu não era Idiota, ele dizia, enquanto tatuava uma novidade no meu braço. Resoluto, vendado, com sorriso no rosto, me joguei, de cabeça, de cara, de braços abertos. Me desculpe, mãe. Não vou fazer o vestibular. As sombras aplaudiram e o Russo meneou a cabeça, mostrou-me os dentes.

A piedade - Roberto Piva

A PIEDADE
Roberto Piva

Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento
abatido na extrema paliçadaos professores falavam da vontade de dominar e da
luta pela vida
as senhoras católicas são piedosasos comunistas são piedososos
comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam
cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio bóia? por que prego afunda?
eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as
estátuas de fortes dentadurasiria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos
pederastas ou barbudoseu me universalizaria no senso comum e eles diriam
que tenho todas as virtudeseu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos
pavimentosos adolescentes nas escolas bufam como cadelas
asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através
dos meus sonhos

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Come fly with me, let´s fly, let´s fly away


Quando desistir se torna uma imposição

Caríssimo amigo, te conheço há tão pouco e já me outorgas esta confiança de manchar tua morada literária com a minha verborragia bilial de terceira categoria, tudo pelo doce e viciante prazer que é sofrer, simplesmente e inconsequentemente sofrer.
Maurício de Almeida me disse: "Literatura se faz aos poucos"; eu tentei te explicar isso, mas você estava deprimido demais para prestar a atenção. Por isso, pedi a venia para lhe mostrar como as coisas funcionam na prática.
Eu sei que você contava com alguns seguidores antes, espero que gostem do que eu vou apresentar para vocês.

Um grande abraço e bem vindos.
R.B.

Tudo novo de novo

"Ninguém ampara o cavaleiro do mundo delirante"
Murilo Mendes.

domingo, 2 de agosto de 2009

FORA DO AR

Blog com atividades suspensas por prazo indeterminado.

Para a eternidade deixo: 1+1=1

terça-feira, 28 de julho de 2009

Pedro Pedreiro

Tentei.
Juro que tentei. Passei o semestre inteiro lutando por um sonho: publicar um livro.

Como vocês podem imaginar, não consegui. A confusão, a inexperiência, eu mesmo impediram tudo isso. Ainda sou novo, dizem os que se importam comigo. Mas tenho a impressão de que a vida passa sem que eu veja e, quando eu perceber que ela passou, será tarde demais.

No fundo, I´m Pedro Pedreiro:



Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém
Pedro pedreiro fica assim pensando
Assim pensando o tempo passa e a gente vai ficando prá trás
Esperando, esperando, esperando, esperando o sol esperando o trem,
esperando aumento desde o ano passado para o mês que vem
Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém
Pedro pedreiro espera o carnaval
E a sorte grande do bilhete pela federal todo mês
Esperando, esperando, esperando, esperando o sol
Esperando o trem, esperando aumento para o mês que vem
Esperando a festa, esperando a sorte
E a mulher de Pedro, esperando um filho prá esperar também
Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém
Pedro pedreiro tá esperando a morte
Ou esperando o dia de voltar pro Norte
Pedro não sabe mas talvez no fundo espere alguma coisa
mais linda que o mundo Maior do que o mar,
mas prá que sonhar se dá o desespero de esperar demais
Pedro pedreiro quer voltar atrás, quer ser pedreiro pobre e nada mais, sem ficar
Esperando, esperando, esperando, esperando o sol
Esperando o trem, esperando aumento para o mês que vem
Esperando um filho prá esperar também
Esperando a festa, esperando a sorte, esperando a morte, esperando o Norte
Esperando o dia de esperar ninguém, esperando enfim, nada mais além
Da esperança aflita, bendita, infinita do apito de um trem
Pedro pedreiro pedreiro esperando Pedro pedreiro pedreiro esperando
Pedro pedreiro pedreiro esperando o trem
Que já vem...
Que já vem
Que já vem
Que já vem
Que já vem
Que já vem

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Ler e Escrever

Essa não é a primeira vez que alguém me fala que não consegue ler nada enquanto escreve. Simplesmente senta na cadeira, bate nas teclas, preenche as páginas com letras, enche o estomago de café e bate mais nas teclas, irremediavelmente gastas. Mas e depois, eu pergunto, e depois que já cansou de escrever e espremer a cabeça como se fosse uma tangerina, não lê nem uma palavrinha, nem uma letrinha? Não. Nada.
Meu primeiro pensamento é considerar esse discurso como bullshit. Só pode ser bullshit. Este fulano está se aproveitando da minha inexperiência e quer dificultar meu sucesso – prepotente, não?
Estou completamente convencido de que é impossível você sentar a bunda na cadeira e escrever sem ter lido uma linha sequer de um outro autor. A pessoa pode ler trinta livros num mês e começar a, finalmente, escrever no mês seguinte. De nada vai adiantar ter lido os trinta livros. Ouçam o que eu lhes digo, amigos. D-e n-a-d-a v-a-i a-d-i-a-n-t-a-r t-e-r l-i-d-o o-s t-r-i-n-t-a l-i-v-r-o-s. Isso porque, ler enquanto escreve é a chave de tudo. É permitir que a válvula da criatividade role solta e desça a ladeira até se chocar com alguma velhinha ou cachorro de rua.
É preciso ler alguma coisa para escrever, não se escreve música sem ouvir música, não se dança deitado, não se escreve sem ler. Faz parte do processo.
O próximo passo desse discurso sem eira nem beira, inteiramente motivado pelo saquê misturado com miojo + salsicha + ketchup é, bom ainda não sei qual é. Não estou lendo nada no momento, logo, poucas idéias para copiar ou desenvolver.
Essa abstinência de literatura será minha ruína.
Se eu fico quatro dias sem ler nada começo a perceber que a vida talvez – vejam bem: talvez – seja uma merda. Eu vejo que as paredes de concreto na minha frente não tem tanta graça quanto teriam diante dos olhos da Agatha, os transeuntes não são tão interessantes quanto aqueles que o Sr. Dickens imortalizou. O pior: meu quarto, que tem muito mais coisa que o quarto do Ródia, não desperta nada em mim.
Por mais que os personagens não falem, por mais longo que seja o discurso, é muito mais interessante do que qualquer coisa que eu, ou você, nobre leitor, poderemos produzir. Então, o que fazer? Ler, oras. Ler.
“Não vai ler nada, meu amor?” Pergunta minha mulher segurando o controle da televisão, esperando a novela começar. “Não” respondo. “Hoje vou ver a novela com você”. Percebo que seus olhos – apenas seus olhos – se movem e me olham de soslaio, como se eu estivesse drogado ou algo assim, não diz nada. “Deve estar louco. Alguma coisa aconteceu” pensa. Ela pega a almofada do sofá e a pressiona em seu colo, preparando-se pra qualquer loucura que eu possa cometer. Afinal, estou louco, vai começar a novela e eu não vou ler nenhum livro.
“Você quer a minha revista?” Ela pergunta. “Não, vou ficar com a novela mesmo”. A almofada se dobra em seu colo, fruto de um ataque de nervosismo? Não importa, os personagens na tela se movem com uma naturalidade de chimpanzés andando de skate. Tudo tão natural quanto a cesta de frutas que temos na mesa da sala, aquela que meu avô toda vez que nos visita tenta abocanhar e racha o pivô da dentadura. “Mas eu te amo!” grita o galã da novela, com olhos esbugalhados e mãos na cabeça.
“Se ela também ama ele, pra que exagerar tanto? Pra que gritar? Todo mundo grita nessa novela?” Minha mulher não responde, tenho minhas dúvidas de que ela está até mesmo respirando. “Amor? Se eles se amam e estão juntos, porque ele está gritando e se descabelando por ela?” repito. “Shhhhhh” é a minha resposta. “É isso que eu ganho por querer entender um pouco do que está acontecendo? Quando você me pergunta por que a Ana Karenina está tão triste eu pauso filme e te explico”. Vejo a barra do volume crescendo vertiginosamente e minha voz sendo abafada pela voz gritada de qualquer personagem.
Saudades dos meus livros, silenciosos, vozes no volume certo, gestos críveis. Flagro-me pensando no motivo pelo qual parei de ler.

Esse negócio de não ler nada ainda vai me matar.

“Já que não estou lendo nada, é melhor que eu escreva. Se dá certo por outros, deve dar pra mim também”. Pego meu notebook. Ponho um nome qualquer no começo da tela, à guisa de inspiração e começo. Minha mulher fica aliviada por que não terá mais ninguém para perguntar as coisas enquanto os personagens da novela se beijam na frente da borracharia. Tec tec tec tec tec. Me sinto voando. Imagens vivas, personagens, diálogos, tec tec tec tec tec.
Paro. Leio as quatro páginas que escrevi. Mesmas coisas que escrevo quando estou lendo. Mesmas situações, mesmas posturas, mesmos diálogos sem pé nem cabeça. O lirismo ficou um pouco mais pobre, notei. Como eu previa: bullshit.
“Onde você vai?” pergunta minha mulher, vendo que coloco meu casaco; pego as chaves do carro e rumo em direção à porta.
“Vou pra livraria. Quero escrever um livro.” Respondo e fecho a porta atrás de mim; do corredor ouço o personagem principal da novela gritando: “Quantas vezes eu devo repetir? Eu te amo!”. Imagino suas mãos à cabeça e olhos marejados. Se bem me lembro este ator se vangloria por não ver filme algum enquanto participa da novela: "não vejo nenhum outro ator que admiro quando em períodos que estou atuando" ele diz. Percebe-se, pensei, entrando no elevador.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A escrita é somente a metade de um monstro que devora a metade de humano

Depois do baque de semana passada eu estava pensando em me afogar nos mares dostoievskianos que sempre me ajudam e me inspiram para escrever. Tava flertando com "humilhados e ofendidos" ou até mesmo com "gente pobre" que sempre me choca. Mas havia algo de estranho no ar. Não era disso que eu precisava. Precisava de algo mais. Até que me deparei com essa frase:

"O homem não é aquele ser que sabe que vai morrer, mas sim aquele que, apesar de o saber, esquece que vai morrer."
Carlos Vaz.

A leitura dessa frase me remeteu à uma série de outras, uma mais fantástica que outra e eu me senti rendido. É engraçado quando lemos algo que mexe com a alma. Esse escritor português me entende.

"A escrita é somente a metade de um monstro que devora a metade de humano."
Carlos Vaz.

Incrível.

Mais incrível ainda é não ter um livro sequer dele aqui no Brasil! Mas eu vou atrás. Pq vale a pena.

Carlos Vaz tem uma boa biografia no wikipedia, depois quem tiver interesse dá um pulo lá e confere.

Vou deixar um link pro blog dele aqui do lado pra se vocês quiserem checar também.

Me despeço hoje, com alma limpa e renovada e com a seguinte frase:

"Face ao abismo das incertezas, cabe-nos o papel de funâmbulo. Somos como palhaços a andar na corda bamba: percebi, não percebi. Apenas uma certeza nos sustém por cima do abismo que nos chama, a corda que nos aguenta – que faz de nós marionetas do espaço."
Carlos Vaz

Nos vemos por aí!

Abraços.

André

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Flamming Stones

Ontem uma pessoa importante para mim deixou este mundo; cá estou eu com a impressão de que não tenho a oferecer em agradecimento pelas experiências que tivemos juntos e por essa pessoa ter tornado minha vida mil vezes mais feliz.

Assim, procurando enlouquecidamente nas gavetas da memória encontrei uma canção que fizemos juntos há mais ou menos 8 anos atrás e eu sei que ele gostava muito.

Fiz o meu melhor pra lembrar de tudo, juro que fiz.

Flamming Stones

I don´t know what I´m gonna do,
if you go.
What am I supposed to say,
If I loose myself?
I read a note wich said, let the wind take you
and you will find your way home.

Walking under flamming stones,
with my bare feet,
trying to find my own way
on my mind

I´m used to be on my own
I´m less dangerous when I´m alone
You used to love me
I´ll use as my gun
I´ll miss you when you´re gone.

Se cuida.

Você sabe que é pra você.
Um beijo na sua alma.

Y.T.F.
RIP
1984-2009

terça-feira, 7 de julho de 2009

Socorro - Arnaldo Antunes


Socorro!
Não estou sentindo nada
Nem medo, nem calor, nem fogo
Não vai dar mais pra chorar
Nem pra rir...
Socorro!
Alguma alma mesmo que penada
Me empreste suas penas
Já não sinto amor, nem dor
Já não sinto nada...
Socorro!
Alguém me dê um coração
Que esse já não bate nem apanha
Por favor!
Uma emoção pequena, qualquer coisa!
Qualquer coisa que se sinta...
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva
Qualquer coisa que se sinta
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva...
Socorro!
Alguma rua que me dê sentido
Em qualquer cruzamento
Acostamento, encruzilhada
Socorro!
Eu já não sinto nada...
Socorro!
Não estou sentindo nada
Nem medo, nem calor, nem fogo
Nem vontade de chorar
Nem de rir...
Socorro!
Alguma alma mesmo que penada
Me empreste suas penas
Eu Já não sinto amor, nem dor
Já não sinto nada...
Socorro!
Alguém me dê um coração
Que esse já não bate
Nem apanhaPor favor!
Uma emoção pequena qualquer coisa!
Qualquer coisa que se sinta...
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva
Qualquer coisa que se sinta
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva...

sábado, 4 de julho de 2009

Verbo

Tu me apareceste num quatro de julho, um dia como este, tu decidiste que me deixaria, num quarto de julho como este, tu me disses que não se lembrava de mim, que nunca tinhas me visto antes, que não poderias me amar, num quatro de julho como este.
Tu andas pelas tantas, bamba, santa manca dos meus sonhos servis, em quatros de julho como este. O meu céu é o teu chão de esmeraldas, e todas elas aniversariam em quatro de julho.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Três Letras

Então eu disse: sim; naquele exato momento, da voz abrindo o caminho à força entre os dentes, rolando pela língua, atingindo o ar com essas três letras: S-I-M, eu esperava ouvir o som da trombeta dourada do cúpido ou dum serafim; esperei uma mudança na feição das pessoas à minha volta, os objetos tomariam vida e dançariam em ciranda como crianças na chuva, os objetos reluziriam a ponto de machucar meus olhos... Aí eu disse sim. As paredes permaneciam pálidas, simplesmente pálidas; o copo de cristal marcado com o batom inerte ao lado do prato pouco tocado, talheres refletiam um rosto sem expressão. A única canção que chegava aos meus ouvidos vinha de suas mãos batendo na mesa, esfregava uma na outra de felicidade. Um sorriso amarelo me encarou, feliz da vida; não resisti, comecei a chorar. As minhas lágrimas fizeram-no sorrir mais, um sorriso débil, vindo diretamente da alma. Encarava meus olhos e não entendia. Eu tentava acompanhar seu sorriso - eu juro!-, mas meus lábios salgados desenhavam algo que não era sorriso, também não era dor. Ah, eu disse sim.
Mãos quentes seguravam as minhas enquanto um frio glacial percorria meu corpo em queda-livre, tremia. Meus dedos ficavam vermelhos de tão forte que as mãos do meu destino as apertava; não as soltava com medo de assustá-lo e transparecer qualquer sinceridade indesejada. Eu te amo, ele me dizia e repetia ecoando uma resposta minha. As lágrimas que insistiam em se jogar dentro do copo de champanhe me sufocavam. Um brinde, ele gritou; ergueu o copo, engoliu tudo de uma vez só, seus medos, expectativas, receios, tudo borbulhava no seu estomago vazio. Brindei às lágrimas refletidas no cristal, se misturando ao champanhe que não engoli ao todo. O sim martelava o fundo da minha nuca. Sim, sim, sim, sim! Impedia que ouvisse meu coração me perguntando, talvez.
No caminho para casa algo reluzia em minha mão, entre meus dedos, um brilho de esperança, um brilho muito parecido com aquele emanado pelos olhos dele; a luz de um sonho, do tamanho de uma pinta. Eu te amo ele dizia e repetia torcendo por uma resposta minha. Me arrancava de mim mesma, não conseguia me concentrar; me limitava às infinitas possibilidades de uma vida dedicada à família, aos filhos que não vieram, ao emprego que não desejei.
Chegamos em casa, senti suas mãos em minha cintura e seus lábios fervendo na minha nuca, dançou com meu corpo em suas mãos, sem música, sem compasso; tropeçamos na mesa e caímos no sofá. Joguei o peso do meu corpo em cima do seu. Você quer dormir, perguntou. Eu respondi que não; um não engasgado há muito tempo agora liberto. NÃO! Ele me abraçou, voltei a chorar em seus braços. Por que não saíram antes. Por que não me salvaram? A partir de hoje, pensei sentindo suas mãos em minhas coxas, seus beijos nos meus ombros, escolherei as três letras,no momento certo as direi, eu devo isso a mim.
Você está bem, ele perguntou. Sim, menti e me perdi na carta marcada jogada em cima da mesa de centro.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Apostila - Álvaro de Campos

APOSTILA

Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linha...
O trabalho honesto e superior...
O trabalho à Virgílio, à Mílton...
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!
É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio!
Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos - nem mais nem menos -
Para com eles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo que se não vê)...
Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre
China dos serões,
E os pensamentos em dominó, igual contra igual,
E a vontade em carambola difícil.
Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos
- Imagens da vida, imagens das vidas. Imagens da Vida.
Verbalismo...Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça...
Não ter um acto indefinido nem factício...
Não ter um movimento desconforme com propósitos...
Boas maneiras da alma...Elegância de persistir...
Aproveitar o tempo!
Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro.
Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao canto.
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?!
(Passageira que viajas tantas vezes no mesmo compartimento comigo
No comboio suburbano,
Chegaste a interessar-te por mim?
Aproveitei o tempo olhando para ti?
Qual foi o ritmo do nosso sossego no comboio andante?
Qual foi o entendimento que não chegámos a ter?
Qual foi a vida que houve nisto?
Que foi isto a vida?)

Aproveitar o tempo!
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!...
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa,
A poeira de uma estrada involuntária e sozinha,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,
O pião do garoto, que vai a parar,
E estremece, no mesmo movimento que o da terra,
E oscila, no mesmo movimento que o da alma,
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

segunda-feira, 22 de junho de 2009

quarta-feira, 10 de junho de 2009

O que sera?

Chico Buarque

O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita
O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os unguentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite
O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os tremores que vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo

Post dedicado para minha mulher.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Palavras-Cruzadas

Minha alma, com passos vagarosos,
vadia pelos postes de luz da Praça da Sé
Minhas mãos não sentem o frio do metal.
Tudo é uma variação dos tons laranja e branco que emanam
das lâmpadas suspensas como estrelas sorridentes.

O chão é laranja, a grama, os olhos;
as palavras que intentei dizer emudeceram
quando supliquei para que saíssem.
Deixaram na porta da geladeira
melosos bilhetes de despedida.

O chão está gelado e um calafrio percorre meu corpo.
O silêncio é um deleite que só se ouve no fim do mundo.
O silêncio é o apocalipse do amor,
escrevi isso num guardanapo uma vez.

Antigamente os ponteiros dos relógios
não se dissolviam em traços luminosos
de um relógio despertador.
Alarme.

O tempo um dia foi sincero.
Lembro que durante muito tempo fui cúmplice
do ponteiro dos segundos;
Vivemos juntos quase cento e vinte e nove mil toques.
Estalos.
Cento e vinte e nove mil palavras trocadas,
cento e noventa e nove mil golfadas de sangue para o corpo inteiro.
Até que decidi gritar as palavras mais absurdas
para os postes de luz da Praça da Sé.

O sino toca na minha mente;
com o eco uma reminiscência de Victor Hugo pousa
as mãos no meu ombro;
Um querubim abraçado a uma cigana debaixo da terra.

Numa festa alucinógena do interior de São Paulo
eu descobri o que era um coreto e
nele cantei em homenagem aos Serafins com asas feitas de fumaça
de escapamentos de Chevette.
Foi num coreto que observei um carnaval de rua
sambar descalço na superfície dos teus olhos.

Tenho uma saudade imensa dessa cidade
inominada do interior de São Paulo.
A luz não era laranja, era amarela,
graças à fogueira que mantínhamos viva
com peças de roupa e diários apócrifos de santos inexistentes
que vomitavam com o lirismo suburbano de donas-de-casa especialistas em palavras-cruzadas.

Objeto pontudo, capaz de dilacerar qualquer pessoa com um único movimento,
contendo sete letras na vertical.
O maior sonho do ser – humano em cinco letras na horizontal,
de braços dados com o pôr-do-sol de Kawabata.

As luzes alaranjadas subitamente
me abandonam na escadaria da Praça
e criaturas acordam.
Vestem-se como um dia gente se vestiu,
andam como um dia alguém andou.
Elas têm cheiro de vida in vitro.
São meus anjos da guarda
que em noites invernais dormem
abraçados debaixo do arco-íris bicolor.
Eles me privilegiam com seus
sorrisos de constelação perdida.

Uma lágrima foge dos meus olhos,
é beatificada ao tocar o chão da entrada da catedral.

Tomo um trago do líquido extraído
diretamente da latrina de Deus.
Me sinto melhor.

A lembrança de um rosto parecido com o meu
estampa a capa dos jornais,
passa rolando enquanto os pastores do apocalipse
desenham seus círculos no chão.
Um dia eu ganhei dinheiro
me valendo do suor que escorreu dessas mãos,
tocaram oboé em algum banheiro público,
agora elas apontam para o céu indicando o meteoro de rosas
entregue por Dante na forma de buquê.

A carne é impura,
diz um bilhete grudado na sola do meu sapato.

Sigo meu caminho rumo ao Páteo do Colégio
mesclado às sombras
me misturo com bustos feitos à base de cera de ouvido.

Sento-me na cadeira, a plaqueta indica um nome que não reconheço
A janela está sempre aberta e por ela bato as asas.
A estação do metro Bela Vista me brinda
com clímax dos restaurantes por quilo
e gordas satisfeitas desenhando
caricaturas na minha comanda.
Os carros cantam boleros o dia inteiro;
as pessoas concentradas demais para dançar
marcam o tempo com os pulmões.

Eu tenho um compromisso.
Um compromisso com o nascimento.

Sinto a presença de pessoas à minha volta,
me observando como se eu estivesse
com as tripas sorrindo para a câmera do fotógrafo;
os repórteres do jornal das oito mal piscam.
Uma dor pungente no peito
Silêncio grita pelos corredores dos hospitais
as muletas são usadas como tacos de beisebol
por crianças na maternidade.

Sussurros ensurdecedores,
dicotomia imbecil e ressaca pós-moderna.

Que suplício ouvir o coração bater!
Que fazer quando não puder mais senti-lo?
Palavra que pode ser usada no sentido de morte ou resultado,
contendo três letras na horizontal.
Espaço de tempo que decorre do nascimento até a morte,
com quatro letras na vertical.
Valendo mil lembranças
em forma de sonhos mordidos.

André Freitas

terça-feira, 2 de junho de 2009

O amanhã foi outro dia.

Alguns dias se passaram e minha fonte continua seca.
Penso demais e escrevo pouco.
O meu relógio não faz barulho, deve estar quebrado. Não tem tic tac tic tac tic tac para rimar com as teclas da máquina de escrever; esse marcador de tempo inutil não me inspira nada - meu relógio é digital, by the way.
Um relógio cuco com ponteiros gigantes, pontudos como uma adaga, quiçá até afiados por um ferreiro japonês viriam a calhar; poderia passar meus dias esperando o passarinho cuco aparecer, rir da minha cara e sumir para rir no dia seguinte. Poderia esperá-lo o dia inteiro para esticar os braços alvos e com olhar súplice gritar: "amigo, não se vá", mas isso é coisa de personagem deprimente, esfaimado e perdido numa Londres fria como a hodierna São Paulo . São Paulo antigamente em dias chuvosos era ao menos acalentadora. Vejam, ainda a amo mas não me reconheço mais em teus olhos e não me sinto bem vindo em teu ventre. Que merda aconteceu?
Tergiversação.
Meus amigos passam por mim e repetem as palavras da minha avó. Eu ouço Roberto Piva falar da praça Alvares de Azevedo antes de dormir e sonho em criar personagens Dostoievskianamente Mirisolianos. Minha criatividade se limita a sakê e peidos com cheiro de pipoca doce - feita no microondas (vide post abaixo). Brigo comigo mesmo por não fazer a barba, por sorrir e por tentar fundamentar que os ET´s fizeram arte com o avião da Air France; as pessoas riem de mim e de minhas palavras. O R-i-s-o. O Bozo cheirava cocaina e eu choro quando ouço Pagliacci.
Boa noite meus amigos.
Amanhã eu volto a escrever meu livro.

domingo, 31 de maio de 2009

Bloqueio?

Engraçado, há semanas em que eu não consigo pensar em mais nada além de escrever. Escrevo no onibus, às vezes até literalmente - poemas nos bancos dos fundos são minha especialidade -, escrevo no trabalho, no corpo da minha mulher e em mim mesmo. As idéias se aproximam, eu me apresento, elas me presenteiam como um sorriso e ficamos amigos.
Sinto que ultimamente - isso talvez seja por conta do sakê em excesso - nada se aproxima de mim. Não sei se as idéias tem aversão a cheiro ou qualquer coisa do gênero.
Drummond escreveu um puta texto quando estava sem inspiração eu solto peidos com cheiro de pipoca. Cada um faz o que pode.

Amanhã vai ser outro dia.

Mensagem

Deus,
só dessa vez,
eu te imploro.
Eu sei que você está
me ouvindo e
não quer me atender.
As pessoas erram,
você sabe disso.
Eu errei,
me desculpe,
agora atende o telefone
e vamos conversar,
por favor.

Veja,
você sabe
o quanto é difícil
para mim.
Me dá uma chance,
só mais uma chance.

(quantas mais vou
precisar?
Não sei).

Eu sei,
eu sei.
Usei esse discurso
da outra vez.

Eu juro...
Olha, estou jurando
de novo.
Atende antes que
Eu jure
por mais alguma coisa.

Me desculpa.
Eu retiro o que disse
a respeito do Roberto Carlos,
do Pelé e da mãe do Zé.

Bom,
tenho que ir.
Espero que me entenda,
tive meus motivos.

E eu sei que,
ao contrário do que
você quer me fazer
Acreditar.
Você não morreu.

Ligo pra você
de novo
mais tarde.

André Freitas
31.05.2009

sábado, 30 de maio de 2009

Bom dia, um pouco de vida

- Bom dia, é da farmácia? - pergunto.
- Sim - uma voz responde.
- Em que posso ajudar?
- Meu médico me receitou
um pouco de vida.
- hummmmmmm - lamentou a voz
- estou sem vida para te dar - respondeu
- E agora? - pergunto.
- Tenho um suspiro,
serve?
- Quantos suspiros são uma vida?
- Um suspiro é uma vida - ele responde.
Um punhado de suspiros
deve dar pro gasto, pensei.
- Quantos suspiros você tem? - pergunto.
- Tenho apenas um. Um último suspiro.
- Um suspiro é uma vida,
mesmo que seja o último?
- Com certeza. Principalmente
se for o último - respondeu a voz.
- Eu vou querer um último suspiro,
por favor.
- Sem problemas.
- Quanto custa
esse último suspiro?
- Por enquanto,
os últimos suspiros
são de graça.

André Freitas

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Quem sou eu?


Todos nós temos um modus operandi, tal qual a televisão de LCD que enfeita o ambiente de qualquer um dos bares desta cidade e/ou intestino de mulheres que vivem à base Corpus ou Activea.
Descobri, em busca de um auto-conhecimento em revistas de perguntas e respostas, que o caráter é a soma dos hábitos, vícios e virtudes de um indivíduo, como mijar no papel higiênico, peidar em elevadores e comer cera de ouvido. Eu ainda incluiria na qualidade de virtude: coçar o saco em vídeos de casamento, micoses de estimação, unha encravada e espancamento de mulheres que dormem de calça jeans – é preciso respeitar os ônus conjugais.
Em suma, nos olhos daquela bichinha psicóloga amiga sua e das mulheres que lêem revistas de perguntas e respostas: você é o que você faz.
Seguindo este estudo meia-boca sobre a constituição psicológica desse saco de merda que somos todos nós, também constatei com os Doutores Pernalonga e Pica-pau que temos duas vozes dentro da cabeça – me refiro à de cima, caso os homens tenham dúvida -; a voz boa que geralmente é representada por um anjinho usando fralda e uma auréola presa com arame sobre a cabeça e uma voz má, representada por um diabinho com tridente e que faz questão de usar cinta-liga.
Ou seja, via de regra, somos bunda-moles, rezamos o Pai-nosso com lágrimas nos olhos e tomamos sopa de letrinha no inverno. Agora, caso necessário, temos um inquilino fetichista e masoquista dentro de nós, que se diverte vendo o circo pegar fogo e coloca um pouco de vida nessa vida (bonito isso...).
Queiramos ou não, no recôndito da alma de cada um de nós dorme um filho-da-puta vestindo regata manchada de vômito e cueca samba canção do avesso – uma cueca pode ser usada quatro vezes antes de ser lavada, mas isso será objeto de outra história - e é este inquilino o culpado por frases como “vai que dá”, “eu já fiz isso mil vezes” e “engole que faz bem pros dentes”. As mulheres usam muito essa voz para dizer “Ele é só o meu amigo” ou “nossa como é grande”.
Essa voz ruim é a responsável por mover o mundo da literatura e pelo sucesso das colunas de fofoca. Convém agradecê-la, de vez em quando.

Enfim, quando alguém me vê na rua com certeza vislumbrará um rapaz mirrado, com as costas encurvadas, óculos fundo de garrafa, bem barbeado, perfumado, terno e gravata: um completo idiota. E é essa imagem que garante o meu trabalho, minha sobrevivência, meu vicio ao cigarro e meu IBOPE para missas noturnas do canal Rede Vida. Essa é a fantasia da minha voz boa, o disfarce do meu caráter – conjunto de virtudes, hábitos e vícios, como comer Bono com requeijão e cheirar meia suja aos domingos.
Eu não me importo que as pessoas acreditem que eu seja esse completo débil mental que aprendeu – mal e porcamente – a sempre menear a cabeça afirmativamente (concorde seu idiota, concorde, diz a voz boa). Tampouco me incomodo em ser aquele que nas festas se esconde nos cantos das casas das pessoas; bebo meu vinho quieto no meu lugar e fujo das conversas. Ouço e meneio a cabeça afirmativamente, sorriso nos lábios, vinho na mão.
Essas ocasiões costumam ser uma fonte inspiradora para os filhos-da-puta de plantão. Quanto estrago não se pode fazer em festas com vinho “à vonts”, alumiada por gente engajada em política e que considera tabu falar em beijo grego. A minha voz ruim é mais complacente nessas ocasiões. O filho-da-puta que observa o mundo com meus olhos e dorme a maior parte do tempo agüenta esses eventos com calma budista (abstraia, seu panaca, abstraia, diz a voz ruim); é preciso escolher as brigas pra não banalizar a performance e ficar manjado. Ser previsível impede que as pessoas te convidem para qualquer coisa e é uma merda ser imprevisível sozinho. Assim, os cantos são meus e enche meu copo de vinho, por favor. Aproveita e me explica de novo como surgiu essa nova crise financeira.

O interessante é que esse maldito que mora dentro de mim tem um senso de justiça que eu, por concordar, opto por não reprimir. Quando vejo algo de errado na minha frente capaz de acordar esse cara estranho, meu tom de voz se altera, minhas palavras se tornam ásperas e pungentes. Finalmente ele acorda e eu deixo que ele faça ou fale o que quiser. Machuco mesmo e que se foda; tudo pelo bem da iustitia.

Todos os dias há algum costume, uma lei, ou o caralho au quatre dizendo como eu devo me vestir, falar e me portar em determinadas situações, mesmo que eu seja completamente contra. Não posso dizer que sou contra essa instituição que se chama de mundo, pois vão me taxar de doido, depressivo (pega mais um Valium just in case...) ou idiota subversivo, mas tenho lá minhas indignações. Mastigo o miolo do pão e engulo.
Eu vou trabalhar todas as manhãs com o colarinho me apertando o pescoço, miolo do pão entre os dentes e imaginando em qual momento do meu dia eu terei de abdicar da minha condição de ser humano, de homem, de gente pensante que gosta de videocassetadas e de dormir abraçado com a mulher, para simplesmente abanar afirmativamente a cabeça e dizer: “Perfeito!”.

Pausa brindar o peido que nunca existiu.

Existem pessoas neste mundo que aprenderam a mentir, dissimular e rir de uma forma que jamais se descobrirá o que pensam de verdade. Conseguem sorrir e abraçar alguém ao mesmo tempo que a imaginam sofrendo com os estalos das duzentas chibatadas punitivas, as quais dariam com muito prazer. Viver deve ser um parque de diversões quando se açoita pessoas com vara de marmelo e cigarro pan na boca - pra causar efeito.
- Bom dia, querido – sorri e imagina as chibatadas no coffee break.
- Fala companheiro! – imagina alguém perdendo todos os e-mails e sendo denunciando pro superior. Sorri. Engole o miolo do pão, agora.
Se você acreditou quando sua mãe, em algum momento, disse que para se dar bem na vida é preciso ser justo, sugiro que comece a se calejar por que vai tomar muito safanão no pé do “orvido”, especialmente daquele cara que rouba sua borracha, sua caneta marca-texto e some com todas as suas canetas azuis (Senhores, relatórios só com canetas azuis. Fodeu). Ele sorri, lhe promete almoços. O chefe o adora por motivos que nem ele conhece. Deve ser o charme, só pode ser isso. Dente de ouro é a nova moda, por sinal.
O mundo é um arco-irís que eu não consigo ver nem a pau.

Hoje eu recebi uma ligação de um superior reclamando que eu ria alto demais.
- Dr. André, o senhor anda rindo alto demais. Gostaria que parasse.
- De rir? – pergunto;
- Não. Rir você pode, só ria mais baixo.
- Perfeito. – respondo e desligo meneando a cabeça afirmativamente (minha mãe deve estar orgulhosa).
Trabalho, trabalho, trabalho. Miolos de pão escondidos na minha gaveta. Mastiga e engole. Concentração nas noticias. Trabalho. Mastigo. Penso na minha esposa pelada. Banheiro no escuro.

- Dr. André, aqui quem fala é André, o presidente da empresa.
- Opa! Bom dia Seu Presidente. – respondo surpreso.
- Que história é essa de “opa” e “seu”, doutor?
- Por que? Opa e seu é proibido dizer?
- Não é muito condizente com a sua condição de advogado desta empresa.
- Opa não é condizente com a minha condição de advogado da empresa? – pergunto olhando para os lados, procurando algum colega de trabalho. Isso só pode ser piada.
- Não – afirmou. - Pare com isso, entendido?
- Perfeito. – meneio a cabeça afirmativamente.

Pego um pouco de miolo de pão de dentro da gaveta e mastigo com vontade. Conto até dez. Justo, isso é muito justo. De fato, opa e seu presidente não são palavras condizentes com a minha respeitabilíssima pessoa. Escrevo numa folha de rascunho: “nunca mais direi opa e seu em toda a minha vida” quinhentas vezes. Pego minhas coisas e vou para casa me sentindo uma excelente pessoa.
Minha mulher me espera, me dá um beijo. Tomo banho e durmo, cansado.
No meio da madrugada o telefone toca, minha mulher atende.
- Alô..... só um minuto. É pra você amor – diz ela.
- Boa noite senhor André, o senhor gostaria de ajudar criancinhas com doenças terminais? – pergunta uma voz animada do outro lado da linha.
De novo, esse papo de mulher me ligando de madrugada. Já não escrevi sobre isso????
- Sinceramente? – pergunto.
Fez-se um silêncio desconfortante, pensei em desligar o telefone e dormir, até que a mulher respondeu:
- Sim.
- Sinceramente, não. Digo, - tento retificar com uma resposta politicamente correta – eu ajudo outras instituições.
Desligo e volto a dormir.
Nova manhã, novo dia. Camisa azul com gravata vermelha. Hoje é terça-feira. Vou à padaria em busca de miolos de pão.
No caminho do trabalho ouço a rádio que só toca notícias. Me sinto importante, um ser acima dos reles mortais por saber a cotação do dólar e quantas viagens na faixa eu poderia ter feito se fosse senador.
- Bom dia, fulana.
- Bom dia, querido – sinto as duzentos chibatadas punitivas às minhas costas.
- Bom dia, fulano.
- Bom dia, companheiro – responde o cara que dorme nos banheiros achando que ninguém sabe disso.
Mal sento na minha mesa e o telefone toca.
- Doutor André, aqui é o André, o dono - (dessa jossa) completo mentalmente.
- Op...digo, Pois não senhor, como vai?
- Fiquei sabendo que o Doutor, na noite de ontem, não quis ajudar criancinhas à beira da morte.
- É que eu já ajudo outra instituição, senhor – justifiquei.
- Ajude mais uma então. Entendido?

Em momentos como esse, de pura incongruência, de imbecilidade, de comentários desnecessários, que a minha verdadeira índole toma forma e assassina o pobre coitado que vocês conhecem, aquele com óculos e camisa combinando com a gravata. As cores ficam nítidas diante dos meus olhos, minhas veias pulsam, minha voz encorpa e eu me sinto vivo. Finalmente um beijo da boca fria da realidade.
- Qualé Doutor? Daqui a pouco vai começar a exigir que eu ligue pro criança esperança e vote no veadinho pra ganhar o Big Brother.
- Doutor André! – grita o dono da empresa no outro lado da linha. – Que absurdos são esses?
- Não sei. Diga-me você. Já não basta filmar a minha bunda enquanto eu cago no banheiro das visitas, reclamar do volume da minha risada, do meu cabelo, da minha camisa, agora vou ter que ajudar gente que eu nem conheço? Ajuda você, caralho!

Meus colegas olham para mim. Seus olhinhos de peixe morto ganham um brilho, um brilho que pressente o desastre. Ao vivo. Alguém correu para fazer pipoca no microondas. Sangue ia escorrer por aqueles corredores de mármore e seria o meu, obviamente. Eles salivavam nos meus miolos de pão. Os holofotes faziam minhas costas transpirar.
- Você acha que está falando com quem moleque? Eu pago o seu salário!
- Mas não paga as minhas contas! Eu tenho o direito de ser livre em algum momento da minha vida, não tenho? (A essa pergunta a resposta é óbvia e as únicas pessoas que eu vi se valerem desse argumento eram idiotas de carteirinha. A minha chega pelo correio amanhã).
- Não! – respondeu obviamente o homem gritando do outro lado – Eu pago essa fortuna todo mês para você fazer o seu trabalho e honrar o meu nome, seu filho-da-puta. Quer saber? Está demitido! Tira seu rabo da minha firma. – Desliga o telefone.
- E Shakespeare nunca existiu! – gritei como tacada final, mesmo sabendo que o telefone cantava tu tu tu tu. Era importante causar impressão nos colegas. Podia ser um idiota mas a última frase foi minha e causou impacto (??).
Bato o telefone no gancho com um sorriso no rosto e uma sensação de plenitude, sinto como se tivesse feito algo inacreditável e digno de aplausos. As pessoas que agora fingiam olhar para seus monitores comprovavam isso.
Eu vivi hoje. Me sinto bem. Peguei as minhas coisas e o resto de miolo de pão que me sobrou. Fui embora.
No caminho o filho-da-puta voltou para sua toca e eu, na minha condição de bunda-mole fiquei pensando em como pagaria minhas contas e como contaria para minha mulher que perdi meu segundo emprego só nesse mês. Parei no supermercado, comprei sopa de letrinhas e queijo ralado. Fico um pouco mais tranqüilo por saber que ela me entende, sempre me entende. Ela conhece esse filho-da-puta muito melhor que eu, sabe que eu jamais conseguiria viver a minha vida como um gato que pula na cama esperando a morte. Eu preciso de vida às vezes, de um pouco de verdade, sopa de letrinhas, queijo ralado e miolo de pão.
“Merda! Devia ter imprimido meu currículos antes de sair” penso na porta de casa.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

A Busca do Homem

"A noite passada choveu torrencialmente e agora o céu está começando a limpar-se; é um dia novo, fresco. Encontremo-nos com este dia novo como se fosse nosso único dia. Iniciemos juntos a jornada, deixando para trás todas as lembranças de ontem, e comecemos a compreender-nos pela primeira vez."

Krishnamurti

domingo, 24 de maio de 2009

Aforismos e Paradoxos I

Entre a minha felicidade e eu há, ao menos, dois dogmas, um messias, vinte opiniões conflitantes, uma voz muda, amores condicionais, lágrimas, suor e medo. Há uma disposição para que as coisas dêem certo, uma vontade de compreensão e amor no ar, mas o ar não quebra dogmas, não desmascara messias e nem é motivo de felicidade. O óxido nitroso não é sincero. Alguém, diante deste panorama pode me perguntar: vale a pena tudo isso pela felicidade?Eu respondo, para perplexidade geral, sobretudo a minha: sim.

Diário

Meu diário é um coração,
com páginas manchadas de café,
todo queimado
por bitucas de cigarro.

Suas linhas são tortas
pela pulsação e
a letra é corrida,
de forma.

Ela põe a mão
em cima da minha
Ele anota.
Ela me beija
com os lábios camuflados de batom
ele anota.
Ela se vira e some,
sem chorar uma lágrima,
ele anota.

Como seria bom
se ele não anotasse nada.
Não se preocupasse
com sujeito, tempo
e verbo.

Ele sabe,
pois ele me esinou que
O pretérito é
imperfeito.
O presente é
indicativo.
O futuro é
a espera.

Não se sabe de quem,
nem do que
mas espera.
Anota.

André Freitas
24-05-2009

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Uma Última Dança

Quarta-feira, 20 de maio de 2009.

Estávamos eu e minha mulher em plena alta madrugada como duas crianças, sorridentes e suados, abraçados em concha – exatamente como determina o regulamento –, um sentindo a respiração do outro, nossos cheiros se misturavam. A festa sempre começava quando ela voltava do trabalho. Eu largava o que eu estava fazendo, preparava o banho e a janta. Ela cuidava do vinho, da camisola e da cama, principalmente da cama.
Sentia pela respiração longa e tranqüila que ela começava a dormir, mas eu não conseguia acompanhá-la. Havia alguma coisa na minha cabeça, algo que eu não sabia se devia ou não fazer: um dilema.
Semana que vem, terei compromissos inadiáveis, coisas oficiais envolvendo meu salário, meu trabalho, complete bullshit e perda de tempo, pensei. Assim, usando o melhor critério que há para escolha de algo – a eliminação – decidi que me sobrava apenas amanhã para me despedir de uma amiga. Uma grande amiga.
- Acho que amanhã vou me despedir da Velha – disse.
- Hein? – perguntou minha mulher.
- A Velha. Lá na Roosevelt. Tenho que ir amanhã, semana que vem vai ser impossível, palestras, trabalhos; tem que ser amanhã.
- Amanhã eu não posso ir – respondeu meio dormindo, meio acordada – tenho reunião cedo na sexta – e apagou completamente. Só ouviria sua voz novamente no dia seguinte.
Tudo bem, pensei. Amanhã eu vou. Qualquer coisa eu vou sozinho; eu me dou bem o suficiente com a Velha pra visitá-la desacompanhado.
Satisfeito com a minha resolução, joguei o gato no chão, em cima do cachorro, e dormi.

Quinta-feira, 21 de maio de 2009.

- Felipe, tá a fim de ir ver a Velha hoje?
- Hoje? – perguntou a voz do outro lado da linha.
- É, porra! Eu disse hoje, não disse? Hoje, quinta.
- Você andou cheirando? Tá mais acelerado que o Road Runner (Papa-Léguas em português, mas Road Runner é mais conveniente, digamos assim...). Relax, cara. Relax. Mais tarde eu te ligo e combinamos.

Ele topou. Assim que fareja cerveja, conversa jogada fora e mesa de bar na Praça Roosevelt, ele cancela até reunião com o presidente. É um cara bacana.

Eu e o Felipe chegamos mais cedo, tomamos umas cervejas, fumamos uns cigarros, negamos umas esmolas, nada fora do comum.
Onze horas, a Roosevelt lotada, gente bebendo, fumando, rindo. O coração da cidade batia ali, naquela praça.
Gosto das noites de São Paulo. Não importa onde você está, tem movimento, gente falando e histórias pra contar e isso é o mais importante.

Eram onze e dez ou onze e quinze quando tocou o sino. Fui um dos primeiros a entrar e escolhi meticulosamente meu lugar. Assim que sentei os acontecimentos se passaram como um relâmpago e tal qual um relâmpago, um lampejo de vida, os descreverei.

Estava ansioso. Essa noite será diferente, seremos apenas a Velha e eu, pensei. O Felipe estava preocupado com um casal de lésbicas se beijando num canto, ele pensava se elas deixariam ele entrar na dança se pagasse um traguinho pra elas.

Sento na minha cadeira, inquieto. Minhas mãos suando, síndrome das pernas inquietas, Felipe bêbado, lésbicas se beijando e ele cada vez mais próximo delas, salivando.

Aplaudi fora de hora, ecos, a Velha me olha, ouço risos. Ela me encara. Naquele tempo as pessoas tinham talento; essa frase ecoa na minha cabeça como um diapasão. Neruda passa dançando à minha frente, bêbado como eu; dançamos funk juntos. A Velha não gosta, reclama e bebe da nossa garrafa. Cigarros importados enfeitam a mesa e nossas mãos.
Entra um moleque estranho, tatuagem inidentificável no braço, rouba a cena. “Maldito, como ousa!” penso com os meu botões, sentindo falta da Velha. O rapaz é bom, até que gosto dele e olha que não sou de gostar das pessoas, muito pelo contrário. Turbilhões e muitas coisas se passando pela minha cabeça. Posso dormir aqui; posso morar aqui e virar uma espécie de negociador. Se depender de mim a Velha nunca vai se sentir sozinha. Já trouxe umas quinquishmintilhacacan pessoas pra conhecê-la. Todos a adoram. Ela gosta, eu sei que ela gosta, conheço seu sorriso.
Ela volta a me encarar, come uma banana com dignidade e respeito inimitáveis, exatamente como fazia no seu tempo de star. Eu estou zonzo, com o coração se remexendo fora do ritmo da dança. Desligam meu celular. Este texto está muito estranho, alguém chama o Dr. Kafka, por favor.
Vi a Velha parir na minha frente. Chorei. Não queria ir embora, mas sabia que estava no fim. As luzes acenderam, ela não estava mais lá. Olhei o cenário ao meu redor, lembro da primeira vez que pisei ali. A primeira vez.
A primeira vez que vi a Velha me choquei comigo mesmo, com o Universo, nem um pouco a contragosto; na segunda ri, entendi-a, nos entendemos. Naquela noite escureceu mais do que o normal; não me incomodei. Na terceira, agora sim a contragosto, chorei.
Não pude dizer adeus à Velha da forma que queria. Embora a noite tivesse sido para nós dois - eu e ela, num reservado, no escuro, compartilhando Vodca barata -, ainda queria dizer algumas coisas antes de ir embora, mas não pude. Os ônibus depois da meia-noite param de circular pelas ruas e, da casa da Velha para a minha são duas horas – se eu conseguir pegar o último ônibus, é claro - ou noventa reais de taxi – eu sei por experiência própria. Então parti com palavras perdidas nos lábios e coração vazio como o copo que ela deixou em cima da mesa.
Cheguei em casa abatido e descabelado. Parecia um acidente de carro. Minha mulher me abraçou. Sabia o que tudo aquilo queria dizer pra mim. Um fim provavelmente irremediável. Teria que guardar minha máquina de escrever e colocar as cartas que eu havia escrito prum escritor que tenho como um amigo, Hackmuth, na gaveta. Sem a Velha por perto, tudo perde um pouco o sentido e o matiz.
Na cama, minha mulher colocou minha cabeça em seu colo. Cafunés intermináveis e apenas uma única voz conversava comigo: “Naquele tempo as pessoas tinham talento...”, “naquele tempo, as pessoas tinham respeito”, “naquele tempo...”.
- Ela vai voltar. Eu sei que vai. Sua amiga vai voltar. – dizia minha mulher.
As palavras dela me acalmaram pela simples razão de sempre estar certa.
Minha mulher sabe das coisas.

Dedico essas linhas tortas ao Marcelo Mirisola, Alberto Guzik e Chico Ribas.

Um forte abraço.

Monólogos de Uma Velha Apresentadora
SATYROS I
Praça Roosevelt, 214.
Últimas apresentações.

Hora Absurda - Fernando Pessoa

"Não sei...Eu sou um doido que estranha a sua própria alma... Eu fui amado em efígie num país para além dos sonhos... "

Basta Saber Onde Procurar

O PIB do Brasil cresceu 6% no primeiro semestre de 2009. Chegou ao patamar de R$ 1,382 trilhão (alguém sabe quantos dígitos tem 1,382 trilhão?).
A taxa SELIC reflete o custo do dinheiro para empréstimos bancários, com base na remuneração dos títulos públicos.
O Congresso Nacional (Câmara dos Deputados + Senado Federal = Congresso Nacional, capicce?) determinou: a partir de 2010, os investidores em Caderneta de Poupança que movimentarem valor acima de R$ 50.000,00 por mês, deverão declarar a merreca no Imposto de Renda (aquele que a gente sempre paga um trouxa pra fazer em cima da hora). O objetivo é cortar a taxa básica SELIC – lembra dela? A que reflete o custo do dinheiro... (vomita) – e frear o fluxo do capital especulativo das Cadernetas de Poupança do Banco do Brasil.
Pra mim, esse tipo de conhecimento não se enquadrava nem na condição de conversa de boteco; falar de economia em boteco é coisa de virgem ou de cara que anda com calculadora no bolso da frente das calças pra fazer volume. Por sinal, falar de economia devia ser tipo penal, in verbis: “Artigo 6971 – Falar a respeito de economia em lugar público. Pena 10 a 20 de trabalhos forçados na Sibéria. Parágrafo Único. Essa pena será computada em dobro se o interlocutor ignorar que os ouvintes estão dormindo ou não tem um tostão na carteira”. (grifos nossos)
É claro que há uma tolerância quando um economista fala com outro e deixa os demais mortais à vontade para falar da capa da Sexxxy, Buttman, Brasileirinhas e rir das nojeiras que fizeram no último show do Victor e Léo (vexame deles, risos meus).
Esses dados econômicos, aparentemente não tão importantes, no meu humilde “modo de vista”, se limitavam apenas ao título da capa da Veja (que compro apenas para servir de penico pro gato e pro cachorro aqui de casa), aos gracejos do Arnaldo Jabor e à cura prisão de ventre. Caso a prisão de ventre persista, favor procurar um contador.
No entanto, não se enganem senhoras e senhores. São essas informações, especulações, como eles gostam de dizer, que determinam o quão mais pobre ficaremos no final do ano.
Eu tive aula de economia na faculdade, consegui apenas guardar duas coisas: no vai e vem da transação temos o produto líquido – nossos pais que o digam, não é? E a segunda informação importante é: se o professor tenta levar uma aluna para cama enquanto espera que a sala resolva algum problema proposto, é melhor você não importuná-lo com alguma pergunta (“não quero saber se é do trabalho a pergunta” by professor de Economia), pois vai ficar de exame (sem ressentimentos, né Andrézão, você sabe como é. Abraços professor!).
Meu avô dizia que economia inteligente se faz assim: Eu tenho dez reais na carteira, a Playboy custa doze, então, gasto vinte minutos do meu tempo tentando convencer o jornaleiro a me vender apenas a parte da entrevista e as fotos da garota principal, o resto ele pode ficar pras punhetinhas mentais. Tem coisas que somos obrigados a passar pra frente; passo pra vocês o conhecimento do meu avô. De nada e boa sorte.
Às vezes tenho vontade de gritar perguntando “Who the fuck is Dow Jones?”. Minha mulher desvia minha atenção. Vai começar a novela. Fica pra depois.

Assim, descontado o fato que o Adam Smith provavelmente era um gorducho que morava com a sogra, a economia, a contabilidade e a calculadora científica são criações cuja utilidade se limita a demonstrar a parca quantia desse negócio chamado dinheiro você tem (há períodos em que a gente só vê dinheiro escrito no jornal ou ouve saindo da boca dos outros, sem uma moeda na carteira) e quantos séculos terá que trabalhar para comprar aquele carro que o seu vizinho tenta vender “à preço de banana”. Por sinal, a dúzia da banana custa três reais, quando eu acompanhava minha mãe na feira era um e cinqüenta; no entanto, diz meu avô, a dúzia chegou a custar centavos. Peguemos nossas calculadoras, façamos os cálculos. Não importa o número que aparecer na telinha, a resposta é sempre a mesma: Está fodido e pode começar a preencher o formulário pro cartão de crédito e preparar o pedido de liminar pra tirar o nome do SERASA.
Pra alguns problemas mais humanos os economistas não arranjaram solução. Mantêm o discurso batido (com muito gelo e limão) de que “basta gastar menos”. Eu digo que basta viver menos, transar menos, ler menos, estudar menos e correr pra entrar na fila do bolsa-família; com isso além da grana você consegue o benefício pra transar mais, pois quanto mais filho, mais benefício.
Deus definitivamente não é economista e, se for não é dos melhores. Deve ter havido algum erro de cálculo. Não se produz mais do que se pode vender. Ele vendeu muito mais almas do que pôde sustentar. Quem dá bolsa-família pra Deus? O Diabo? Isso dá processo. Ação declaratória de impossibilidade de salvar a terra, cumulada com todo mundo explodido e, obviamente, danos morais. Um processo custoso, honorários astronômicos, ou seja: um puta negócio. No inferno, a fila de escritórios de advocacia que se matam para tentar cuidar de uns casos do Diabo é tão grande que dá quatro voltas em toda a terra. No céu, até onde eu sei, não tem um advogado. Economista tem Deus, que fez curso à distância.
Todo domingo eu rezo, olhando pra minha mulher – gato dormindo no seu pescoço, sempre – com lágrimas nos olhos, pra ver se Deus nos dá uma bela dor de barriga para que possamos faltar no trabalho e jogar Wii o dia inteiro. Daí poderemos nos esbaldar no sangue de boi, coxinhas, esfihas de quejo, saquê barato no jantar, com miojo e salsicha, catchup Heinz. Mais um pouco de Wii pra não cair no ostracismo. Bebedeira, sorriso na cara e carta do SPC na geladeira, presa por um imã em formato de abacaxi. Acho que pedir para Deus me conceder a oportunidade de ser um fodido pelo menos uma vez na vida é bem razoável, porque ser fodido todo dia vem sendo muito complicado. Amém.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

The Genius of the Crowd

Estou com uma fixação por Charles Bukowski há algumas semanas. Tem algo nesse cara que simplesmente me arrebata. Talvez seja a forma direta com que ele escreve. Ler um livro dele ou um de seus poemas é como comer carne crua: um ato de canibalismo, de libertação, é viver.
Dostoievski faz isso comigo também. Mas ultimamente o velho Buk tem ganhado a disputa da cabeceira.


THE GENIUS OF THE CROWD

there is enough treachery, hatred violence absurdity in the average
human being to supply any given army on any given day
and the best at murder are those who preach against it
and the best at hate are those who preach love
and the best at war finally are those who preach peace
those who preach god, need god
those who preach peace do not have peace
those who preach peace do not have love
beware the preachers
beware the knowers
beware those who are always reading books
beware those who either detest poverty
or are proud of it
beware those quick to praise
for they need praise in return
beware those who are quick to censor
they are afraid of what they do not know
beware those who seek constant crowds for
they are nothing alone
beware the average man the average woman
beware their love, their love is averageseeks average
but there is genius in their hatred
there is enough genius in their hatred to kill you
to kill anybody
not wanting solitude
not understanding solitude
they will attempt to destroy anything
that differs from their own
not being able to create art
they will not understand art
they will consider their failure as creators
only as a failure of the world
not being able to love fully
they will believe your love incomplete
and then they will hate you
and their hatred will be perfect
like a shining diamond
like a knife
like a mountain
like a tiger
like hemlock


their finest art

Silêncio e um brinde

Hoje eu não vou escrever nada muito elaborado. Nem tirei a máquina de escrever da mala.
Agora, textos novos aqui só semana que vem, porque vou me dedicar ao meu livro até domingo.
Por que diabos estou escrevendo então? Escrevo para homenagear, ainda que de forma silente, as pessoas boas que restam nesse mundo.

Cheers.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Manuscritos

Sou fanático por manuscritos.

A Honestidade

A honestidade é um cachorro
com dentes de gilete.
Brinca aos domingos
de morder o próprio rabo.
Pula,
gira,
rodopia.
Honestidade é
se encarar no espelho,
deixar a espinha estourada,
fingir que não sangra.

Meus olhos são vermelhos
Batem por qualquer coisa
Meu coração é castanho
Não vê nada.

André Freitas

Pra animar um pouco

Pra dar uma animada...

Só mais um minutinho

- Boa tarde. – desejei ao vendedor com piercing no nariz e moicano laranja com roxo. Seu aspecto me remeteu imediatamente à merda de pombo da Praça da Sé.
Ficou me olhando com a cabeça inclinada, mascando chiclete. Mudo. Minha mulher olhava pra mim, eu olhava para ele, ele bufava.
Silêncio. Olhares, saco ficando cheio.
- Pois não, senhor? – finalmente uma resposta.
- Eu gostaria de saber se vocês têm um livro.
- O senhor já procurou na prateleira?
- Que papo é esse de senhor? – me alterei um pouquinho só, ego ferido é uma merda.
- Calma, amor. – minha mulher apertava meu braço.
- Dá pra você ver se tem o livro no sistema de vocês ou algo assim? Porque eu não sei como vocês organizam essa zona. Não sei se é por Autor, nome do livro, exemplares vendidos, quem paga mais... – fui interrompido por uma bufada.
- Esse cara deve ter algum problema no rabo, não para de peidar pela boca – sussurrei pra minha mulher, que ficou vermelha e olhou ao redor, pensando num plano de fuga.
A cabeça do rapaz se inclinou para o outro lado e seus olhinhos de esmeralda giraram enfadados na órbita. Olhei para minha mulher, ela suspirou e perguntou:
- Mas você quer comprar mais livros?
- Queria presentear um amigo. Ele disse que há tempos não lê um bom livro. Então vou dar a ele um bom livro.
Acompanhamos o rebolado do rapaz até o terminal mais próximo.
- O nome – disse o rapaz.
- De quem? – perguntei.
- Do Autor.
- Álvaro. Álvaro Cardoso Gomes. Você não prefere procurar pelo nome do livro? Não é mais fácil? – perguntei, esquecendo os entraves de minutos atrás.
Não consigo ficar irritado com as pessoas por muito tempo. É um defeito meu. Uma parte do sangue baiano que se mistura com o sangue alemão nas minhas veias é o responsável por isso, só pode ser. Eu fico irritado por alguns minutos, daí vem o sangue baiano e me acalma. É a ira subjugada pela água de coco.
- Não temos, senhor.
- É que é Álvaro você escreveu “Alavro” e Gomes é com “S”. Acho que você se confundiu. – esboço um sorriso forçado. Corrigir os outros é uma merda, ainda mais quando a pessoa quer que você exploda em pedacinhos bem ali, na frente dela.
Bufada. Essa foi esperada e previsível. Criatividade não é o forte desse rapaz que aparentemente é apenas um poço de simpatia.
- Senhor, temos trinta e sete livros desse autor cadastrado.
- Você fala sempre como atendente de telemarketing mesmo? Senhor isso, senhor não tenho, senhor não posso. Relaxa cara.
- Ai meu Deus – minha mulher escondeu o rosto com a mão.
- Qual o nome do livro, senhor?
- Como se atender um cliente numa livraria.
Silêncio. Rebolada sem sair do lugar. Uma mão arrumando o cabelo e a outra na cintura. Minha mulher encabulada. Fiquei esperando ele começar a escrever para falar o nome do livro de verdade. Ele, talvez um pouco acostumado com esse tipo de atitude ficou esperando a retificação. Sou bem paciente.
Lá foi ele, digitando: como se aten...
- Desculpa – disse. – Esse é outro livro. O que eu quero mesmo se chama Boneca Platinada.
Nem bufada nem rebolada dessa vez. Acho que peguei pesado. Não sou fã desse meu jeito de lidar com as situações e tratar as pessoas. Aprendi a ter estômago, seja pra agüentar as pancadas ou para não vomitar de nojo. Perdi muitas oportunidades por besteira e frases que jamais deveriam ter nascido. Minha mulher briga comigo, o gato vomita no meu travesseiro e minha editora me ignora; eu não aprendo a lição.

- Senhor...
- Amém. – interrompi.
O rapaz desferiu uma olhada fulminante. Com certeza ele faria um estrago se pulasse no meu pescoço com aquelas unhas negras, cintilantes, afiadas. Minha mulher pressentiu isso, deu um passo a frente, ficando entre o vendedor e eu. Coisas de mulher.
- Amor, vamos vai.
- Não temos o livro. – disse o rapaz e imediatamente fechou o programa de busca do computador.
- E da Márcia Denser? Tem algum?
- O senhor já procurou na prateleira?
- Achei que pelo sistema era mais fácil – respondi.
- Obrigado. – respondeu minha mulher, pegou meu braço e me tirou de lá.
- Dá pra acreditar nisso? – perguntei indignado.
- Deixa isso pra lá, amor.
- É assim que se lida com literatura hoje em dia. – disse indignado, imaginando o dia que alguém entrasse numa livraria, pedisse um livro meu e tivesse esse tratamento.

Passamos em mais quatro livrarias depois disso. Antes de perguntar pra qualquer atendente fui até as prateleiras e procurei os livros. Com dificuldade os encontrei escondidos, camuflados entre os mil trabalhos feitos com base na obra do Machado de Assis, Vinicius de Morais e outros anacronismos insuportavelmente modernos. Não tenho nada contra os clássicos, ao contrário, respeito-os muitíssimo. No entanto, esconder os novos entre os escombros dos livros de culinária e antologias com nome de apostila escolar é demais pro meu fígado.
Encontrei apenas um exemplar de Diana Caçadora - Tango Fantasma e duzentos do Harry Potter, sem falar nos milhares de títulos sob a chancela de J.B. Robb, Meyer e afins. E não digo isso com intuito de incitar uma discussão acerca da qualidade de cada autor. Isso eu deixo pros acadêmicos e entendidos do assunto. Eu posso apenas falar por mim (ou seja, o azar/risco é todo meu). Se me perguntarem – nunca perguntam...- eu digo com toda segurança que a Diana empala qualquer contendedora apenas com o olhar, muito embora ela seja chegada em alguns vampiros. Mas isso é apenas minha opinião.
- Puta merda. Esqueci de um livro. – lembrei deitado na cama, enquanto minha mulher estava no banho.
Entrei no site da livraria. Não encontrei o livro. Entrei em outro. Seis semanas pra chegar. Porra! Seis semanas pra chegar um livro é demais. Até lá já me analfabetizei por inteiro. Decidi ligar pra vendas on-line.
Vendedora eletrônica me dando boas vindas. Respondo. Digo os números que ela manda eu repetir, sigo tudo à risca como rapaz obediente e espero pela atendente.
- Loja X, Shirl... (não entendi o nome dela), em que posso ajudar?
- Desculpa. Quem ta falando? – perguntei.
- Shirl... (não entendi o nome mesmo, desculpa moça, vai ficar sem os devidos créditos nessa aqui).
- Então. Eu gostaria de comprar um livro.
- O Senhor já procurou no site? – ela perguntou.
- Eu achei que era mais fácil procurar no sistema. Acho que é mais rápido.
- Sei... – respondeu a atendente. Shir... (não entendi mesmo seu nome). – Qual o nome?
- De quem? – perguntei.
- Do Autor.
- Gustave Flaubert.
- Hã – grunhiu a atendente.
- Gustave Flaubert – repeti.
- Só um minutinho.

Muitos minutos se passaram e eu fiquei ouvindo Chopin pelo telefone, depois Bach, depois “só mais um minutinho”. Meu saco com uma puta coceira. Minha mulher deita do meu lado, massageia minhas costas. Repetem o Chopin, “só mais um minutinho”. Vivaldi na primavera, as mãos da minha mulher nas minhas pernas, seus lábios no meu pescoço. “Só mais um minutinho” repete a atendente pela terceira vez.
- Quer saber, foda-se a literatura.
Joguei o telefone no chão e avancei na minha mulher.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Born into this

Dinosauria, we
Charles Bukowski

Born like this
Into this
As the chalk faces smile
As Mrs. Death laughs
As the elevators break
As political landscapes dissolve
As the supermarket bag boy holds a college degree
As the oily fish spit out their oily prey
As the sun is masked
We are
Born like this
Into this
Into these carefully mad wars
Into the sight of broken factory windows of emptiness
Into bars where people no longer speak to each other
Into fist fights that end as shootings and knifings
Born into this
Into hospitals which are so expensive that it’s cheaper to die
Into lawyers who charge so much it’s cheaper to plead guilty
Into a country where the jails are full and the madhouses closed
Into a place where the masses elevate fools into rich heroes
Born into this
Walking and living through this
Dying because of this
Muted because of this
Castrated
Debauched
Disinherited
Because of this
Fooled by this
Used by this
Pissed on by this
Made crazy and sick by this
Made violent
Made inhuman
By this
The heart is blackened
The fingers reach for the throat
The gun
The knife
The bomb
The fingers reach toward an unresponsive god
The fingers reach for the bottle
The pill
The powder
We are born into this sorrowful deadliness
We are born into a government 60 years in debt
That soon will be unable to even pay the interest on that debt
And the banks will burn
Money will be useless
There will be open and unpunished murder in the streets
It will be guns and roving mobs
Land will be useless
Food will become a diminishing return
Nuclear power will be taken over by the many
Explosions will continually shake the earth
Radiated robot men will stalk each other
The rich and the chosen will watch from space platforms
Dante’s Inferno will be made to look like a children’s playground
The sun will not be seen and it will always be night
Trees will die
All vegetation will die
Radiated men will eat the flesh of radiated men
The sea will be poisoned
The lakes and rivers will vanish
Rain will be the new gold
The rotting bodies of men and animals will stink in the dark wind
The last few survivors will be overtaken by new and hideous diseases
And the space platforms will be destroyed by attrition
The petering out of supplies
The natural effect of general decay
And there will be the most beautiful silence never heard
Born out of that.
The sun still hidden there
Awaiting the next chapter.