domingo, 28 de novembro de 2010

Enquanto eu espero - Ricardo Bruch

Não consigo colocar as coisas no papel, o lápis pesa toneladas entre meus dedos e sou obrigado a deixar que caia ruidosamente no chão, talvez acordando os vizinhos do andar de baixo, que a essa hora estão de costas um para o outro, com os pés para fora dos cobertores e as mãos escondidas debaixo do travesseiro. Tento ao menos terminar este caderno, restam poucas folhas, há tantas palavras para preenchê-las, mas nada me vem à mente; as palavras não me seduzem mais, não há nada em mim que anseie por falar de um rapaz caminhando sob as luzes da cidade, com sua calça jeans surrada, carregando um exemplar de On the Road como se fosse sua salvação, com Chet Baker sussurrando frases no seu fone de ouvido, rezando por garotas e suas calças negras, justas, pressionando as coxas, denunciando a forma das calcinhas para o deleite dos seus olhos, acelerando seu coração, e Miles Davis se preparando para dizer, do something kid, que essa gata vai ficar louca quando você falar das viagens que – ainda não – fez, dos bares que visitou, da estrada que não existe, das ruas difusas que minha imaginação criaria com analogias distantes, distantes demais.

- Do something kid.

E as garotas passam diante dele, possantes como trens, fugido de todos garotos, se vão olhando para o chão cheio de pés, pisam no ritmo do jazz,

que guia meus dedos,

mas ela não compreende, e se distancia de mim, pois está sozinha e em seu peito toca um trecho triste da sinfonia número 4 de Brahms; está com saudade da mãe, por algum motivo que eu não sei e não tenho coragem de saber.

Assim eu me distancio do meu universo e as pessoas somem feito fumaça de cigarro antes de tocas as hélices do ventilador de teto; me cansei das palavras, do esforço que tenho que fazer para dizer que gosto mesmo é do silêncio. Até quando? Até quando terei vontade de ser a vírgula apenas, o ponto final de um sorriso e um final feliz de uma história que não fui capaz de contar, por causa desses ruídos que me incomodam, por ter palavras demais, ocupando espaço como caixas recheadas de coisas que nunca quis.

- Meu mestre,

- Meu amado mestre,

nem tua pena poderá me salvar agora.

Deste tutum tutum do meu peito, são as pausas que me emocionam, é o silêncio entre e o tic e o tac que me faz arrepiar e me dá vontade de pegar o lápis, que pesa uma tonelada e logo caí no chão, fazendo barulho, acabando com a minha paz, acordando a vizinha do apartamento de baixo, que cobre os pés, e se pergunta por que é que ele não me abraça mais, não me toca mais, por que é que seus lábios não dormem colados no meu pescoço, por que... e o silêncio volta a tomar conta do quarto, ela dorme, sem saber que eu parei e chorei, por sei lá que razão, como se as lágrimas deixassem o tutum tutum mais calmo e o tic tac mais espaçoso para que eu pudesse aproveitar e colocar todo meu silêncio no papel e, finalmente, te esperar tranquilo no sofá da sala para dormirmos colados um no outro, e eu possa repousar meus lábios nos teu pescoço e esquentar meus pés nas batatas das suas pernas.