terça-feira, 29 de setembro de 2009

Fantasmas na Times Square

Caminhei um pouco mais. Subitamente me ocorreu que ela tinha sido minha mãe há uns cento e cinqüenta anos atrás, na Inglaterra, e eu era seu filho salteador retornando do cárcere para assombrar seu honesto ganha-pão na taverna. Enregelado pelo êxtase estanquei na calçada. Olhei para a Rua Market. Não conseguia saber se era mesmo ela ou a Rua do Canal em Nova Orleans: afinal ao dar na água, na água ambígua e universal, assim como a rua 42 em Nova York leva em direção à água, de modo que você nunca sabe onde está. Pensei no fantasma de Al Hinkle na Times Square. Eu delirava.

Jack Kerouac - On The Road

domingo, 27 de setembro de 2009

A Depressão de Denver

Certa manhã Allen acordou e escutou "pombos vulgares" grasnando do lado de fora de seu cubículo; viu "tristes rouxinois" encurvando os galhos que lhe fizeram lembrar a mãe. Um manto cinzento caiu sobre a cidade. As montanhas --- as magníficas Rochosas que podiam ser vistas do Oeste de qualquer lugar da cidade --- eram de "papier maché". O universo inteiro era demente e absurdo e extremamente estranho.

On the Road - Jack Kerouac

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Pretensões

Eu não tenho pretensões, confesso que as tive num dia não muito distante, mas hoje, decidi. Eu não tenho e nem quero ter pretensões.

Elas nascem de um sonho; aquele sonho bom, que não se tem vontade de acordar. Por isso, enfeitiçado, deixei que se aproximassem de mim.

Logo criam braços e pernas, não altos nem fortes o suficiente para superar obstáculos; aprendem algumas coisas, mas não ficam inteligentes o bastante para defender sua existência; nem tão independentes para pensarem por si mesmas e abandonar este pobre hospedeiro, que não dorme há dias, com medo dar vida à novas pretensões e acabar sufocado por elas durante o sono.

As pretensões envelhecem, mas não como nosso corpo. Você vai envelhecer vinte anos e a pretensão ainda será criança, nova, descobrindo as coisas belas e ignorando as reais da vida. Insuportavelmente nova demais para meus olhos.

Eu matei minha pretensão.

Num golpe certeiro, no coração que pulsava forte.

Cansei-me do seu riso, da sua determinação e inocência. Aquela voz fina e infantil dizendo: continue, continue, insista, persista, você pode.

Chega! Eu gritei.

Vá e me deixe, que eu estou cansado. Vá e junte-se às demais pretensões que invadiram minha cabeça. Deve ter sido a gravidade e o volume da minha voz, mas elas me obedeceram e sumiram. Para sempre.

Orgulhoso, eu vejo que aprendi a lidar perfeitamente com as pretensões.

Agora, nestes instantes finais, preciso descobrir o que vou fazer com o fantasma de cada uma delas: as frustrações.
R.B.

Antonio Abujamra lendo Mario Quintana - OUÇAM O LINK DE AUDIO!

Seiscentos e Sessenta e Seis - Mario Quintana
Interpretação Livre de Antonio Abujamra

A vida são
Deveres que nós
Trouxemos para
Fazer em casa
Quando se vê já são
Seis horas...
Quando se vê já é
Sexta feira
Quando se vê já é Natal...
Quando se vê já
Terminou o ano
Quando se vê, não
Sabemos mais por
Onde andam nossos amigos
Quando se vê,
Perdemos o amor da
Nossa vida
Quando se ê,
Passaram-se 50 Anos
Agora, é tarde demais
Para ser reprovado
Se me fosse dado,
Um dia, uma oportunidade,
Eu nem olhava o Relógio
Seguiria sempre e em
Frente e iria.
Jogando pelo Caminho.
A casaca dourada e inútil das horas
Seguraria todos os meu amigos,
Que já não sei onde e como
Estão e diria
Vocês são extremamente
Importantes para mim
Seguraria o meu amor,
Que está, há muito, à minha frente, e diria:
Eu te amo
Dessa forma, eu digo
Não deixe de fazer algo
Que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter alguém
Ao seu lado, ou de fazer
Algo, por puro medo de ser feliz.
A única falta que será,
será desse tempo
Que infelizmente
Não voltará mais.

Antonio Abujamra - Mario Quintana

Alquimia do Verbo

DELÍRIOS

II ALQUIMIA DO VERBO

Para mim.
A história das minhas loucuras.
Há muito me gabava de possuir todas as paisagens possíveis, e julgava irrisórias as celebridades da pintura e da poesia mo- derna.
Gostava das pinturas idiotas, em portas, decorações, telas circenses, placas, iluminuras populares; a literatura fora de moda, o latim da igreja, livros eróticos sem ortografia, romances de nossos antepassa- dos, contos de fadas, pequenos livros in- fantis, velhas óperas, estribilhos ingênuos, rítmos ingênuos.
Sonhava com as cruzadas, viagens de descobertas de que não existem relatos, repúblicas sem histórias, guerras de religião esmagadas, revoluções de costumes, des- locamentos de raças e continentes: acreditava em todas as magias.
Inventava a cor das vogais! A negro E branco, I vermelho, O azul, U verde. Regulava a forma e o movimento de cada consoante, e , com ritmos institivos, me vangloriava de ter inventado um verbo poético acessível, um dia ou outro, a todos os sentidos. Era comigo traduzí-los. Foi primeiro um experimento. Escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens.

(Rimbaud)
Tradução de Paulo Hecker Filho

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Ode ao Anjo Caído - Para Minha Donzela del Tijuca

Eu vejo um coração apertado num espírito sem tamanho; a alma voa em turbilhões de poeira, cansaço e perguntas sem respostas. Ela pensa em desistir mil vezes por segundo, deixa que a aflição lhe atinja como uma onda de acrílico; não pede socorro, não pede ajuda. O coração não sente a mesma ansiedade que faz tremer os ossos, a biologia não conhece o seu corpo, que reage conforme o vento que sopra do sul, ou será do leste, ou do oeste, ou de onde quer que o seja que o vento nasça. Que me me importa! eu tenho medo, ela diz. Eu me sento, ela se levanta, eu me contraio como um caramujo, como areia movediça; enquanto dimiuo ela arranca forças das raízes luminosas do universo e se expande. O medo que andava de mãos dadas com a angústia deu forças à liberdade, e agora a liberdade rompe seus grilhões de polvilho, grilhões de plumas velhas. Ela se levanta. Para minha estupefação, ela se levanta como uma Deusa, uma divindade, ela aponta seus dedos brilhantes para mim. Toca meu rosto. Os papéis se invertem. Sou eu que peço ajuda e rezo salmos inauditos, sou eu que tremo e derrubo meu chão com um golpe violento, sou eu que choro sem razão. Sou eu que não vejo a luz da tua presença. A tua luz azul; a tua luz verde; a tua luz de vogais e de esperanças, de sonhos realizados. A tua presença.
Te admiro como se admira uma pétala rara de uma rosa multicolorida, todas as matizes lindas do universo. Converso com a tua alma em busca de segurança no teu hálito, eu caminho para te alcançar sempre. Sigo a tua luz e sigo, com passos rápidos para não perder nenhum do teu instante de regozijo infinito.

Infinito, 23 de setembro de 2009.

R.B.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Reescrever

Perguntaram para o Roberto Piva como ele escreve os poemas dele, a resposta foi:
Com a caneta.

Depois, perguntaram para ele se chegava a reescrever os poemas, e ele disse:
Que reescrever o que! Não tenho tempo para perder com poesia. É preciso viver a vida.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Memórias 2

A linha da vida, tremula entre as folhas de papel, a sombra das cerejeiras duma Atlântida Tropical, o mar transparente, de água mineral, ondas batiam suavemente na encosta dizendo que o dia há de chegar, o chão ruirá num espiral; o herói sucumbirá com o tempo. Páginas rasgadas, palavras entrecortadas no lixo me observavam aflitas. A hora está próxima.
E o vestibular, perguntou o outro lado do universo; um raio cruzou o meu mundo culminando numa pancada na nuca, diretamente das mãos macias do mundo real; encarei Maria nos olhos e roguei. O despertador tocou dezoito vezes e eu nem ouvi. Esperanças recém-nascidas subiam a escada, estampavam suas felicidades egoístas com outdoors de neon na porta do meu quarto, finjo dormir; onde está o meu caderno e o meu lápis? Recebi apostilas para devorar e morrer melhor. As esperanças da minha avó roíam as unhas, o queixo entre as mãos, olhos arregalados.
Tomo carona num navio negreiro todas as manhãs; mãos nas pernas, sorrisos forçados no retrovisor. Há algo errado com você, diz meu pai. Na minha cabeça as sereias fazem sonetos e reclamam da minha ausência. Eu tenho certeza que você passa logo de primeira, continua meu pai. Eu estava em quinta na ladeira da minha Antártida, pensei em dizer. Desço do comboio e me reúno com almas penadas, pálidas e angustiadas. Somos idênticos na aflição, meu caro; A nossa causa é perdida, soldados, mesmo feridos, não têm escolha, por isso estamos aqui, moribundos, num campo de batalha estéril e inerte; a vida é uma merda. Foram essas as únicas palavras dirigidas a mim no primeiro dia de aula. Nunca mais vi o sujeito, os anjos devem tê-lo aprisionado: sabia demais.
Em casa, escondidos, meus pés descalços dançavam no barro do chão de taco, criava presas, surpresas, fugazes alegorias de tinta azul; uma aflição põe meus ossos para bailar e as palavras, ciganas, pichavam a palavra “destino” nos muros de papelão; e o vestibular, insistiam em uníssono. Só me restava desaguar na minha Guanabara de Faber-Castell, erguendo a bandeira dos afogados.
Uma vontade de seguir o caminho com os marinheiros move o volante do meu peito rumo ao infinito; não caibo nas cadeiras com braceiras; pernas roçando, mãos trêmulas e corações batendo entre os dentes. Sonhos de náufragos, aspirações, devir na ponta da caneta. A expectativa me causa aflição (colher de metal raspada na panela de alumínio).
A lousa negra, o giz rosa, uma vontade de navegar pelas folhas em ondas de letras miúdas; tenho histórias para contar, não contava isso pra ninguém. Não posso negar a queda ao abismo. Não posso. Ecos no meu crânio. Os anjos se entreolham, sem ação, quando desenho chifres em Dom Pedro II. A princesa Isabel dançava nua na minha apostila. Eu sou o capitão do meu navio e ele não vai atracar no cais dos futuros delineados com lápis negro.
Na minha proa, as expectativas estão vendadas, minha avó fala comigo segurando o bisturi, sentindo com a ponta dos dedos gelados a pulsação do meu diploma natimorto.
“Não vou fazer o vestibular”. Escolhi o almoço de domingo; o Sol dormia em serviço e não viu nada. As mãos do meu pai em catarse, a boca viciosa da minha mãe, anestesiada de vinho chileno, desenhou um sorriso ao vácuo daquilo que esperava. O filho estranho apronta mais uma das suas. Queriam dizer falaremos a respeito disso depois, mas não disseram. Minha avó em vertigem, Netuno com batom e laquê, revoltou o mar das expectativas naufragadas, convocou os piratas e os aportou na minha cidade perfeita, ela incitou os marinheiros, os tripulantes do meu navio ao suicídio e à loucura. Não há futuro nesta vida, meu neto. As sombras não recebem salário, não se casam, não possuem imóveis. Vai viver de quê?
Eu era jogado pelos cantos do navio, destruíram meu convés, o timão foi jogado ao mar com alguns dos meus tripulantes, o fim estava próximo, convenciam-se da minha loucura; vestibular ou hospício, eu não via a diferença: que se exploda o mundo, que Netuno enfie seu tridente nos meus olhos e que a vida me atire como rojão. Quero explodir num céu estrelado, de terça-feira de carnaval, com pierrot chorando pela columbina, nua na cama do porta-bandeira. Minha Catedral de Notre-Dame sucumbiu à tempestade num copo d´agua.
Segundos antes da última bolha vejo uma mão, antiga, sapiente, puxou-me de volta para a terra com tanta força que quase me escalpelou, dedos de pedra em riste, à guisa de salvação do marinheiro perdido; empurrou meu navio de volta ao mar e jogou um pirata russo na minha embarcação. Sigamos em frente, com esperança, meu neto. Tenha esperança. Meu avô me entendia.
Seguindo sua bussola, à noite me perdi, deitado na minha cama de palha, o russo incutia idéias e um universo diferente na minha cabeça. Você não sabe de nada ele dizia. Não preguei os olhos a noite inteira, apenas ouvindo o que ele tinha pra me dizer. Eu não era Idiota, ele dizia, enquanto tatuava uma novidade no meu braço. Resoluto, vendado, com sorriso no rosto, me joguei, de cabeça, de cara, de braços abertos. Me desculpe, mãe. Não vou fazer o vestibular. As sombras aplaudiram e o Russo meneou a cabeça, mostrou-me os dentes.

A piedade - Roberto Piva

A PIEDADE
Roberto Piva

Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento
abatido na extrema paliçadaos professores falavam da vontade de dominar e da
luta pela vida
as senhoras católicas são piedosasos comunistas são piedososos
comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam
cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio bóia? por que prego afunda?
eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as
estátuas de fortes dentadurasiria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos
pederastas ou barbudoseu me universalizaria no senso comum e eles diriam
que tenho todas as virtudeseu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos
pavimentosos adolescentes nas escolas bufam como cadelas
asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através
dos meus sonhos

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Come fly with me, let´s fly, let´s fly away


Quando desistir se torna uma imposição

Caríssimo amigo, te conheço há tão pouco e já me outorgas esta confiança de manchar tua morada literária com a minha verborragia bilial de terceira categoria, tudo pelo doce e viciante prazer que é sofrer, simplesmente e inconsequentemente sofrer.
Maurício de Almeida me disse: "Literatura se faz aos poucos"; eu tentei te explicar isso, mas você estava deprimido demais para prestar a atenção. Por isso, pedi a venia para lhe mostrar como as coisas funcionam na prática.
Eu sei que você contava com alguns seguidores antes, espero que gostem do que eu vou apresentar para vocês.

Um grande abraço e bem vindos.
R.B.

Tudo novo de novo

"Ninguém ampara o cavaleiro do mundo delirante"
Murilo Mendes.