domingo, 31 de maio de 2009

Bloqueio?

Engraçado, há semanas em que eu não consigo pensar em mais nada além de escrever. Escrevo no onibus, às vezes até literalmente - poemas nos bancos dos fundos são minha especialidade -, escrevo no trabalho, no corpo da minha mulher e em mim mesmo. As idéias se aproximam, eu me apresento, elas me presenteiam como um sorriso e ficamos amigos.
Sinto que ultimamente - isso talvez seja por conta do sakê em excesso - nada se aproxima de mim. Não sei se as idéias tem aversão a cheiro ou qualquer coisa do gênero.
Drummond escreveu um puta texto quando estava sem inspiração eu solto peidos com cheiro de pipoca. Cada um faz o que pode.

Amanhã vai ser outro dia.

Mensagem

Deus,
só dessa vez,
eu te imploro.
Eu sei que você está
me ouvindo e
não quer me atender.
As pessoas erram,
você sabe disso.
Eu errei,
me desculpe,
agora atende o telefone
e vamos conversar,
por favor.

Veja,
você sabe
o quanto é difícil
para mim.
Me dá uma chance,
só mais uma chance.

(quantas mais vou
precisar?
Não sei).

Eu sei,
eu sei.
Usei esse discurso
da outra vez.

Eu juro...
Olha, estou jurando
de novo.
Atende antes que
Eu jure
por mais alguma coisa.

Me desculpa.
Eu retiro o que disse
a respeito do Roberto Carlos,
do Pelé e da mãe do Zé.

Bom,
tenho que ir.
Espero que me entenda,
tive meus motivos.

E eu sei que,
ao contrário do que
você quer me fazer
Acreditar.
Você não morreu.

Ligo pra você
de novo
mais tarde.

André Freitas
31.05.2009

sábado, 30 de maio de 2009

Bom dia, um pouco de vida

- Bom dia, é da farmácia? - pergunto.
- Sim - uma voz responde.
- Em que posso ajudar?
- Meu médico me receitou
um pouco de vida.
- hummmmmmm - lamentou a voz
- estou sem vida para te dar - respondeu
- E agora? - pergunto.
- Tenho um suspiro,
serve?
- Quantos suspiros são uma vida?
- Um suspiro é uma vida - ele responde.
Um punhado de suspiros
deve dar pro gasto, pensei.
- Quantos suspiros você tem? - pergunto.
- Tenho apenas um. Um último suspiro.
- Um suspiro é uma vida,
mesmo que seja o último?
- Com certeza. Principalmente
se for o último - respondeu a voz.
- Eu vou querer um último suspiro,
por favor.
- Sem problemas.
- Quanto custa
esse último suspiro?
- Por enquanto,
os últimos suspiros
são de graça.

André Freitas

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Quem sou eu?


Todos nós temos um modus operandi, tal qual a televisão de LCD que enfeita o ambiente de qualquer um dos bares desta cidade e/ou intestino de mulheres que vivem à base Corpus ou Activea.
Descobri, em busca de um auto-conhecimento em revistas de perguntas e respostas, que o caráter é a soma dos hábitos, vícios e virtudes de um indivíduo, como mijar no papel higiênico, peidar em elevadores e comer cera de ouvido. Eu ainda incluiria na qualidade de virtude: coçar o saco em vídeos de casamento, micoses de estimação, unha encravada e espancamento de mulheres que dormem de calça jeans – é preciso respeitar os ônus conjugais.
Em suma, nos olhos daquela bichinha psicóloga amiga sua e das mulheres que lêem revistas de perguntas e respostas: você é o que você faz.
Seguindo este estudo meia-boca sobre a constituição psicológica desse saco de merda que somos todos nós, também constatei com os Doutores Pernalonga e Pica-pau que temos duas vozes dentro da cabeça – me refiro à de cima, caso os homens tenham dúvida -; a voz boa que geralmente é representada por um anjinho usando fralda e uma auréola presa com arame sobre a cabeça e uma voz má, representada por um diabinho com tridente e que faz questão de usar cinta-liga.
Ou seja, via de regra, somos bunda-moles, rezamos o Pai-nosso com lágrimas nos olhos e tomamos sopa de letrinha no inverno. Agora, caso necessário, temos um inquilino fetichista e masoquista dentro de nós, que se diverte vendo o circo pegar fogo e coloca um pouco de vida nessa vida (bonito isso...).
Queiramos ou não, no recôndito da alma de cada um de nós dorme um filho-da-puta vestindo regata manchada de vômito e cueca samba canção do avesso – uma cueca pode ser usada quatro vezes antes de ser lavada, mas isso será objeto de outra história - e é este inquilino o culpado por frases como “vai que dá”, “eu já fiz isso mil vezes” e “engole que faz bem pros dentes”. As mulheres usam muito essa voz para dizer “Ele é só o meu amigo” ou “nossa como é grande”.
Essa voz ruim é a responsável por mover o mundo da literatura e pelo sucesso das colunas de fofoca. Convém agradecê-la, de vez em quando.

Enfim, quando alguém me vê na rua com certeza vislumbrará um rapaz mirrado, com as costas encurvadas, óculos fundo de garrafa, bem barbeado, perfumado, terno e gravata: um completo idiota. E é essa imagem que garante o meu trabalho, minha sobrevivência, meu vicio ao cigarro e meu IBOPE para missas noturnas do canal Rede Vida. Essa é a fantasia da minha voz boa, o disfarce do meu caráter – conjunto de virtudes, hábitos e vícios, como comer Bono com requeijão e cheirar meia suja aos domingos.
Eu não me importo que as pessoas acreditem que eu seja esse completo débil mental que aprendeu – mal e porcamente – a sempre menear a cabeça afirmativamente (concorde seu idiota, concorde, diz a voz boa). Tampouco me incomodo em ser aquele que nas festas se esconde nos cantos das casas das pessoas; bebo meu vinho quieto no meu lugar e fujo das conversas. Ouço e meneio a cabeça afirmativamente, sorriso nos lábios, vinho na mão.
Essas ocasiões costumam ser uma fonte inspiradora para os filhos-da-puta de plantão. Quanto estrago não se pode fazer em festas com vinho “à vonts”, alumiada por gente engajada em política e que considera tabu falar em beijo grego. A minha voz ruim é mais complacente nessas ocasiões. O filho-da-puta que observa o mundo com meus olhos e dorme a maior parte do tempo agüenta esses eventos com calma budista (abstraia, seu panaca, abstraia, diz a voz ruim); é preciso escolher as brigas pra não banalizar a performance e ficar manjado. Ser previsível impede que as pessoas te convidem para qualquer coisa e é uma merda ser imprevisível sozinho. Assim, os cantos são meus e enche meu copo de vinho, por favor. Aproveita e me explica de novo como surgiu essa nova crise financeira.

O interessante é que esse maldito que mora dentro de mim tem um senso de justiça que eu, por concordar, opto por não reprimir. Quando vejo algo de errado na minha frente capaz de acordar esse cara estranho, meu tom de voz se altera, minhas palavras se tornam ásperas e pungentes. Finalmente ele acorda e eu deixo que ele faça ou fale o que quiser. Machuco mesmo e que se foda; tudo pelo bem da iustitia.

Todos os dias há algum costume, uma lei, ou o caralho au quatre dizendo como eu devo me vestir, falar e me portar em determinadas situações, mesmo que eu seja completamente contra. Não posso dizer que sou contra essa instituição que se chama de mundo, pois vão me taxar de doido, depressivo (pega mais um Valium just in case...) ou idiota subversivo, mas tenho lá minhas indignações. Mastigo o miolo do pão e engulo.
Eu vou trabalhar todas as manhãs com o colarinho me apertando o pescoço, miolo do pão entre os dentes e imaginando em qual momento do meu dia eu terei de abdicar da minha condição de ser humano, de homem, de gente pensante que gosta de videocassetadas e de dormir abraçado com a mulher, para simplesmente abanar afirmativamente a cabeça e dizer: “Perfeito!”.

Pausa brindar o peido que nunca existiu.

Existem pessoas neste mundo que aprenderam a mentir, dissimular e rir de uma forma que jamais se descobrirá o que pensam de verdade. Conseguem sorrir e abraçar alguém ao mesmo tempo que a imaginam sofrendo com os estalos das duzentas chibatadas punitivas, as quais dariam com muito prazer. Viver deve ser um parque de diversões quando se açoita pessoas com vara de marmelo e cigarro pan na boca - pra causar efeito.
- Bom dia, querido – sorri e imagina as chibatadas no coffee break.
- Fala companheiro! – imagina alguém perdendo todos os e-mails e sendo denunciando pro superior. Sorri. Engole o miolo do pão, agora.
Se você acreditou quando sua mãe, em algum momento, disse que para se dar bem na vida é preciso ser justo, sugiro que comece a se calejar por que vai tomar muito safanão no pé do “orvido”, especialmente daquele cara que rouba sua borracha, sua caneta marca-texto e some com todas as suas canetas azuis (Senhores, relatórios só com canetas azuis. Fodeu). Ele sorri, lhe promete almoços. O chefe o adora por motivos que nem ele conhece. Deve ser o charme, só pode ser isso. Dente de ouro é a nova moda, por sinal.
O mundo é um arco-irís que eu não consigo ver nem a pau.

Hoje eu recebi uma ligação de um superior reclamando que eu ria alto demais.
- Dr. André, o senhor anda rindo alto demais. Gostaria que parasse.
- De rir? – pergunto;
- Não. Rir você pode, só ria mais baixo.
- Perfeito. – respondo e desligo meneando a cabeça afirmativamente (minha mãe deve estar orgulhosa).
Trabalho, trabalho, trabalho. Miolos de pão escondidos na minha gaveta. Mastiga e engole. Concentração nas noticias. Trabalho. Mastigo. Penso na minha esposa pelada. Banheiro no escuro.

- Dr. André, aqui quem fala é André, o presidente da empresa.
- Opa! Bom dia Seu Presidente. – respondo surpreso.
- Que história é essa de “opa” e “seu”, doutor?
- Por que? Opa e seu é proibido dizer?
- Não é muito condizente com a sua condição de advogado desta empresa.
- Opa não é condizente com a minha condição de advogado da empresa? – pergunto olhando para os lados, procurando algum colega de trabalho. Isso só pode ser piada.
- Não – afirmou. - Pare com isso, entendido?
- Perfeito. – meneio a cabeça afirmativamente.

Pego um pouco de miolo de pão de dentro da gaveta e mastigo com vontade. Conto até dez. Justo, isso é muito justo. De fato, opa e seu presidente não são palavras condizentes com a minha respeitabilíssima pessoa. Escrevo numa folha de rascunho: “nunca mais direi opa e seu em toda a minha vida” quinhentas vezes. Pego minhas coisas e vou para casa me sentindo uma excelente pessoa.
Minha mulher me espera, me dá um beijo. Tomo banho e durmo, cansado.
No meio da madrugada o telefone toca, minha mulher atende.
- Alô..... só um minuto. É pra você amor – diz ela.
- Boa noite senhor André, o senhor gostaria de ajudar criancinhas com doenças terminais? – pergunta uma voz animada do outro lado da linha.
De novo, esse papo de mulher me ligando de madrugada. Já não escrevi sobre isso????
- Sinceramente? – pergunto.
Fez-se um silêncio desconfortante, pensei em desligar o telefone e dormir, até que a mulher respondeu:
- Sim.
- Sinceramente, não. Digo, - tento retificar com uma resposta politicamente correta – eu ajudo outras instituições.
Desligo e volto a dormir.
Nova manhã, novo dia. Camisa azul com gravata vermelha. Hoje é terça-feira. Vou à padaria em busca de miolos de pão.
No caminho do trabalho ouço a rádio que só toca notícias. Me sinto importante, um ser acima dos reles mortais por saber a cotação do dólar e quantas viagens na faixa eu poderia ter feito se fosse senador.
- Bom dia, fulana.
- Bom dia, querido – sinto as duzentos chibatadas punitivas às minhas costas.
- Bom dia, fulano.
- Bom dia, companheiro – responde o cara que dorme nos banheiros achando que ninguém sabe disso.
Mal sento na minha mesa e o telefone toca.
- Doutor André, aqui é o André, o dono - (dessa jossa) completo mentalmente.
- Op...digo, Pois não senhor, como vai?
- Fiquei sabendo que o Doutor, na noite de ontem, não quis ajudar criancinhas à beira da morte.
- É que eu já ajudo outra instituição, senhor – justifiquei.
- Ajude mais uma então. Entendido?

Em momentos como esse, de pura incongruência, de imbecilidade, de comentários desnecessários, que a minha verdadeira índole toma forma e assassina o pobre coitado que vocês conhecem, aquele com óculos e camisa combinando com a gravata. As cores ficam nítidas diante dos meus olhos, minhas veias pulsam, minha voz encorpa e eu me sinto vivo. Finalmente um beijo da boca fria da realidade.
- Qualé Doutor? Daqui a pouco vai começar a exigir que eu ligue pro criança esperança e vote no veadinho pra ganhar o Big Brother.
- Doutor André! – grita o dono da empresa no outro lado da linha. – Que absurdos são esses?
- Não sei. Diga-me você. Já não basta filmar a minha bunda enquanto eu cago no banheiro das visitas, reclamar do volume da minha risada, do meu cabelo, da minha camisa, agora vou ter que ajudar gente que eu nem conheço? Ajuda você, caralho!

Meus colegas olham para mim. Seus olhinhos de peixe morto ganham um brilho, um brilho que pressente o desastre. Ao vivo. Alguém correu para fazer pipoca no microondas. Sangue ia escorrer por aqueles corredores de mármore e seria o meu, obviamente. Eles salivavam nos meus miolos de pão. Os holofotes faziam minhas costas transpirar.
- Você acha que está falando com quem moleque? Eu pago o seu salário!
- Mas não paga as minhas contas! Eu tenho o direito de ser livre em algum momento da minha vida, não tenho? (A essa pergunta a resposta é óbvia e as únicas pessoas que eu vi se valerem desse argumento eram idiotas de carteirinha. A minha chega pelo correio amanhã).
- Não! – respondeu obviamente o homem gritando do outro lado – Eu pago essa fortuna todo mês para você fazer o seu trabalho e honrar o meu nome, seu filho-da-puta. Quer saber? Está demitido! Tira seu rabo da minha firma. – Desliga o telefone.
- E Shakespeare nunca existiu! – gritei como tacada final, mesmo sabendo que o telefone cantava tu tu tu tu. Era importante causar impressão nos colegas. Podia ser um idiota mas a última frase foi minha e causou impacto (??).
Bato o telefone no gancho com um sorriso no rosto e uma sensação de plenitude, sinto como se tivesse feito algo inacreditável e digno de aplausos. As pessoas que agora fingiam olhar para seus monitores comprovavam isso.
Eu vivi hoje. Me sinto bem. Peguei as minhas coisas e o resto de miolo de pão que me sobrou. Fui embora.
No caminho o filho-da-puta voltou para sua toca e eu, na minha condição de bunda-mole fiquei pensando em como pagaria minhas contas e como contaria para minha mulher que perdi meu segundo emprego só nesse mês. Parei no supermercado, comprei sopa de letrinhas e queijo ralado. Fico um pouco mais tranqüilo por saber que ela me entende, sempre me entende. Ela conhece esse filho-da-puta muito melhor que eu, sabe que eu jamais conseguiria viver a minha vida como um gato que pula na cama esperando a morte. Eu preciso de vida às vezes, de um pouco de verdade, sopa de letrinhas, queijo ralado e miolo de pão.
“Merda! Devia ter imprimido meu currículos antes de sair” penso na porta de casa.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

A Busca do Homem

"A noite passada choveu torrencialmente e agora o céu está começando a limpar-se; é um dia novo, fresco. Encontremo-nos com este dia novo como se fosse nosso único dia. Iniciemos juntos a jornada, deixando para trás todas as lembranças de ontem, e comecemos a compreender-nos pela primeira vez."

Krishnamurti

domingo, 24 de maio de 2009

Aforismos e Paradoxos I

Entre a minha felicidade e eu há, ao menos, dois dogmas, um messias, vinte opiniões conflitantes, uma voz muda, amores condicionais, lágrimas, suor e medo. Há uma disposição para que as coisas dêem certo, uma vontade de compreensão e amor no ar, mas o ar não quebra dogmas, não desmascara messias e nem é motivo de felicidade. O óxido nitroso não é sincero. Alguém, diante deste panorama pode me perguntar: vale a pena tudo isso pela felicidade?Eu respondo, para perplexidade geral, sobretudo a minha: sim.

Diário

Meu diário é um coração,
com páginas manchadas de café,
todo queimado
por bitucas de cigarro.

Suas linhas são tortas
pela pulsação e
a letra é corrida,
de forma.

Ela põe a mão
em cima da minha
Ele anota.
Ela me beija
com os lábios camuflados de batom
ele anota.
Ela se vira e some,
sem chorar uma lágrima,
ele anota.

Como seria bom
se ele não anotasse nada.
Não se preocupasse
com sujeito, tempo
e verbo.

Ele sabe,
pois ele me esinou que
O pretérito é
imperfeito.
O presente é
indicativo.
O futuro é
a espera.

Não se sabe de quem,
nem do que
mas espera.
Anota.

André Freitas
24-05-2009

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Uma Última Dança

Quarta-feira, 20 de maio de 2009.

Estávamos eu e minha mulher em plena alta madrugada como duas crianças, sorridentes e suados, abraçados em concha – exatamente como determina o regulamento –, um sentindo a respiração do outro, nossos cheiros se misturavam. A festa sempre começava quando ela voltava do trabalho. Eu largava o que eu estava fazendo, preparava o banho e a janta. Ela cuidava do vinho, da camisola e da cama, principalmente da cama.
Sentia pela respiração longa e tranqüila que ela começava a dormir, mas eu não conseguia acompanhá-la. Havia alguma coisa na minha cabeça, algo que eu não sabia se devia ou não fazer: um dilema.
Semana que vem, terei compromissos inadiáveis, coisas oficiais envolvendo meu salário, meu trabalho, complete bullshit e perda de tempo, pensei. Assim, usando o melhor critério que há para escolha de algo – a eliminação – decidi que me sobrava apenas amanhã para me despedir de uma amiga. Uma grande amiga.
- Acho que amanhã vou me despedir da Velha – disse.
- Hein? – perguntou minha mulher.
- A Velha. Lá na Roosevelt. Tenho que ir amanhã, semana que vem vai ser impossível, palestras, trabalhos; tem que ser amanhã.
- Amanhã eu não posso ir – respondeu meio dormindo, meio acordada – tenho reunião cedo na sexta – e apagou completamente. Só ouviria sua voz novamente no dia seguinte.
Tudo bem, pensei. Amanhã eu vou. Qualquer coisa eu vou sozinho; eu me dou bem o suficiente com a Velha pra visitá-la desacompanhado.
Satisfeito com a minha resolução, joguei o gato no chão, em cima do cachorro, e dormi.

Quinta-feira, 21 de maio de 2009.

- Felipe, tá a fim de ir ver a Velha hoje?
- Hoje? – perguntou a voz do outro lado da linha.
- É, porra! Eu disse hoje, não disse? Hoje, quinta.
- Você andou cheirando? Tá mais acelerado que o Road Runner (Papa-Léguas em português, mas Road Runner é mais conveniente, digamos assim...). Relax, cara. Relax. Mais tarde eu te ligo e combinamos.

Ele topou. Assim que fareja cerveja, conversa jogada fora e mesa de bar na Praça Roosevelt, ele cancela até reunião com o presidente. É um cara bacana.

Eu e o Felipe chegamos mais cedo, tomamos umas cervejas, fumamos uns cigarros, negamos umas esmolas, nada fora do comum.
Onze horas, a Roosevelt lotada, gente bebendo, fumando, rindo. O coração da cidade batia ali, naquela praça.
Gosto das noites de São Paulo. Não importa onde você está, tem movimento, gente falando e histórias pra contar e isso é o mais importante.

Eram onze e dez ou onze e quinze quando tocou o sino. Fui um dos primeiros a entrar e escolhi meticulosamente meu lugar. Assim que sentei os acontecimentos se passaram como um relâmpago e tal qual um relâmpago, um lampejo de vida, os descreverei.

Estava ansioso. Essa noite será diferente, seremos apenas a Velha e eu, pensei. O Felipe estava preocupado com um casal de lésbicas se beijando num canto, ele pensava se elas deixariam ele entrar na dança se pagasse um traguinho pra elas.

Sento na minha cadeira, inquieto. Minhas mãos suando, síndrome das pernas inquietas, Felipe bêbado, lésbicas se beijando e ele cada vez mais próximo delas, salivando.

Aplaudi fora de hora, ecos, a Velha me olha, ouço risos. Ela me encara. Naquele tempo as pessoas tinham talento; essa frase ecoa na minha cabeça como um diapasão. Neruda passa dançando à minha frente, bêbado como eu; dançamos funk juntos. A Velha não gosta, reclama e bebe da nossa garrafa. Cigarros importados enfeitam a mesa e nossas mãos.
Entra um moleque estranho, tatuagem inidentificável no braço, rouba a cena. “Maldito, como ousa!” penso com os meu botões, sentindo falta da Velha. O rapaz é bom, até que gosto dele e olha que não sou de gostar das pessoas, muito pelo contrário. Turbilhões e muitas coisas se passando pela minha cabeça. Posso dormir aqui; posso morar aqui e virar uma espécie de negociador. Se depender de mim a Velha nunca vai se sentir sozinha. Já trouxe umas quinquishmintilhacacan pessoas pra conhecê-la. Todos a adoram. Ela gosta, eu sei que ela gosta, conheço seu sorriso.
Ela volta a me encarar, come uma banana com dignidade e respeito inimitáveis, exatamente como fazia no seu tempo de star. Eu estou zonzo, com o coração se remexendo fora do ritmo da dança. Desligam meu celular. Este texto está muito estranho, alguém chama o Dr. Kafka, por favor.
Vi a Velha parir na minha frente. Chorei. Não queria ir embora, mas sabia que estava no fim. As luzes acenderam, ela não estava mais lá. Olhei o cenário ao meu redor, lembro da primeira vez que pisei ali. A primeira vez.
A primeira vez que vi a Velha me choquei comigo mesmo, com o Universo, nem um pouco a contragosto; na segunda ri, entendi-a, nos entendemos. Naquela noite escureceu mais do que o normal; não me incomodei. Na terceira, agora sim a contragosto, chorei.
Não pude dizer adeus à Velha da forma que queria. Embora a noite tivesse sido para nós dois - eu e ela, num reservado, no escuro, compartilhando Vodca barata -, ainda queria dizer algumas coisas antes de ir embora, mas não pude. Os ônibus depois da meia-noite param de circular pelas ruas e, da casa da Velha para a minha são duas horas – se eu conseguir pegar o último ônibus, é claro - ou noventa reais de taxi – eu sei por experiência própria. Então parti com palavras perdidas nos lábios e coração vazio como o copo que ela deixou em cima da mesa.
Cheguei em casa abatido e descabelado. Parecia um acidente de carro. Minha mulher me abraçou. Sabia o que tudo aquilo queria dizer pra mim. Um fim provavelmente irremediável. Teria que guardar minha máquina de escrever e colocar as cartas que eu havia escrito prum escritor que tenho como um amigo, Hackmuth, na gaveta. Sem a Velha por perto, tudo perde um pouco o sentido e o matiz.
Na cama, minha mulher colocou minha cabeça em seu colo. Cafunés intermináveis e apenas uma única voz conversava comigo: “Naquele tempo as pessoas tinham talento...”, “naquele tempo, as pessoas tinham respeito”, “naquele tempo...”.
- Ela vai voltar. Eu sei que vai. Sua amiga vai voltar. – dizia minha mulher.
As palavras dela me acalmaram pela simples razão de sempre estar certa.
Minha mulher sabe das coisas.

Dedico essas linhas tortas ao Marcelo Mirisola, Alberto Guzik e Chico Ribas.

Um forte abraço.

Monólogos de Uma Velha Apresentadora
SATYROS I
Praça Roosevelt, 214.
Últimas apresentações.

Hora Absurda - Fernando Pessoa

"Não sei...Eu sou um doido que estranha a sua própria alma... Eu fui amado em efígie num país para além dos sonhos... "

Basta Saber Onde Procurar

O PIB do Brasil cresceu 6% no primeiro semestre de 2009. Chegou ao patamar de R$ 1,382 trilhão (alguém sabe quantos dígitos tem 1,382 trilhão?).
A taxa SELIC reflete o custo do dinheiro para empréstimos bancários, com base na remuneração dos títulos públicos.
O Congresso Nacional (Câmara dos Deputados + Senado Federal = Congresso Nacional, capicce?) determinou: a partir de 2010, os investidores em Caderneta de Poupança que movimentarem valor acima de R$ 50.000,00 por mês, deverão declarar a merreca no Imposto de Renda (aquele que a gente sempre paga um trouxa pra fazer em cima da hora). O objetivo é cortar a taxa básica SELIC – lembra dela? A que reflete o custo do dinheiro... (vomita) – e frear o fluxo do capital especulativo das Cadernetas de Poupança do Banco do Brasil.
Pra mim, esse tipo de conhecimento não se enquadrava nem na condição de conversa de boteco; falar de economia em boteco é coisa de virgem ou de cara que anda com calculadora no bolso da frente das calças pra fazer volume. Por sinal, falar de economia devia ser tipo penal, in verbis: “Artigo 6971 – Falar a respeito de economia em lugar público. Pena 10 a 20 de trabalhos forçados na Sibéria. Parágrafo Único. Essa pena será computada em dobro se o interlocutor ignorar que os ouvintes estão dormindo ou não tem um tostão na carteira”. (grifos nossos)
É claro que há uma tolerância quando um economista fala com outro e deixa os demais mortais à vontade para falar da capa da Sexxxy, Buttman, Brasileirinhas e rir das nojeiras que fizeram no último show do Victor e Léo (vexame deles, risos meus).
Esses dados econômicos, aparentemente não tão importantes, no meu humilde “modo de vista”, se limitavam apenas ao título da capa da Veja (que compro apenas para servir de penico pro gato e pro cachorro aqui de casa), aos gracejos do Arnaldo Jabor e à cura prisão de ventre. Caso a prisão de ventre persista, favor procurar um contador.
No entanto, não se enganem senhoras e senhores. São essas informações, especulações, como eles gostam de dizer, que determinam o quão mais pobre ficaremos no final do ano.
Eu tive aula de economia na faculdade, consegui apenas guardar duas coisas: no vai e vem da transação temos o produto líquido – nossos pais que o digam, não é? E a segunda informação importante é: se o professor tenta levar uma aluna para cama enquanto espera que a sala resolva algum problema proposto, é melhor você não importuná-lo com alguma pergunta (“não quero saber se é do trabalho a pergunta” by professor de Economia), pois vai ficar de exame (sem ressentimentos, né Andrézão, você sabe como é. Abraços professor!).
Meu avô dizia que economia inteligente se faz assim: Eu tenho dez reais na carteira, a Playboy custa doze, então, gasto vinte minutos do meu tempo tentando convencer o jornaleiro a me vender apenas a parte da entrevista e as fotos da garota principal, o resto ele pode ficar pras punhetinhas mentais. Tem coisas que somos obrigados a passar pra frente; passo pra vocês o conhecimento do meu avô. De nada e boa sorte.
Às vezes tenho vontade de gritar perguntando “Who the fuck is Dow Jones?”. Minha mulher desvia minha atenção. Vai começar a novela. Fica pra depois.

Assim, descontado o fato que o Adam Smith provavelmente era um gorducho que morava com a sogra, a economia, a contabilidade e a calculadora científica são criações cuja utilidade se limita a demonstrar a parca quantia desse negócio chamado dinheiro você tem (há períodos em que a gente só vê dinheiro escrito no jornal ou ouve saindo da boca dos outros, sem uma moeda na carteira) e quantos séculos terá que trabalhar para comprar aquele carro que o seu vizinho tenta vender “à preço de banana”. Por sinal, a dúzia da banana custa três reais, quando eu acompanhava minha mãe na feira era um e cinqüenta; no entanto, diz meu avô, a dúzia chegou a custar centavos. Peguemos nossas calculadoras, façamos os cálculos. Não importa o número que aparecer na telinha, a resposta é sempre a mesma: Está fodido e pode começar a preencher o formulário pro cartão de crédito e preparar o pedido de liminar pra tirar o nome do SERASA.
Pra alguns problemas mais humanos os economistas não arranjaram solução. Mantêm o discurso batido (com muito gelo e limão) de que “basta gastar menos”. Eu digo que basta viver menos, transar menos, ler menos, estudar menos e correr pra entrar na fila do bolsa-família; com isso além da grana você consegue o benefício pra transar mais, pois quanto mais filho, mais benefício.
Deus definitivamente não é economista e, se for não é dos melhores. Deve ter havido algum erro de cálculo. Não se produz mais do que se pode vender. Ele vendeu muito mais almas do que pôde sustentar. Quem dá bolsa-família pra Deus? O Diabo? Isso dá processo. Ação declaratória de impossibilidade de salvar a terra, cumulada com todo mundo explodido e, obviamente, danos morais. Um processo custoso, honorários astronômicos, ou seja: um puta negócio. No inferno, a fila de escritórios de advocacia que se matam para tentar cuidar de uns casos do Diabo é tão grande que dá quatro voltas em toda a terra. No céu, até onde eu sei, não tem um advogado. Economista tem Deus, que fez curso à distância.
Todo domingo eu rezo, olhando pra minha mulher – gato dormindo no seu pescoço, sempre – com lágrimas nos olhos, pra ver se Deus nos dá uma bela dor de barriga para que possamos faltar no trabalho e jogar Wii o dia inteiro. Daí poderemos nos esbaldar no sangue de boi, coxinhas, esfihas de quejo, saquê barato no jantar, com miojo e salsicha, catchup Heinz. Mais um pouco de Wii pra não cair no ostracismo. Bebedeira, sorriso na cara e carta do SPC na geladeira, presa por um imã em formato de abacaxi. Acho que pedir para Deus me conceder a oportunidade de ser um fodido pelo menos uma vez na vida é bem razoável, porque ser fodido todo dia vem sendo muito complicado. Amém.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

The Genius of the Crowd

Estou com uma fixação por Charles Bukowski há algumas semanas. Tem algo nesse cara que simplesmente me arrebata. Talvez seja a forma direta com que ele escreve. Ler um livro dele ou um de seus poemas é como comer carne crua: um ato de canibalismo, de libertação, é viver.
Dostoievski faz isso comigo também. Mas ultimamente o velho Buk tem ganhado a disputa da cabeceira.


THE GENIUS OF THE CROWD

there is enough treachery, hatred violence absurdity in the average
human being to supply any given army on any given day
and the best at murder are those who preach against it
and the best at hate are those who preach love
and the best at war finally are those who preach peace
those who preach god, need god
those who preach peace do not have peace
those who preach peace do not have love
beware the preachers
beware the knowers
beware those who are always reading books
beware those who either detest poverty
or are proud of it
beware those quick to praise
for they need praise in return
beware those who are quick to censor
they are afraid of what they do not know
beware those who seek constant crowds for
they are nothing alone
beware the average man the average woman
beware their love, their love is averageseeks average
but there is genius in their hatred
there is enough genius in their hatred to kill you
to kill anybody
not wanting solitude
not understanding solitude
they will attempt to destroy anything
that differs from their own
not being able to create art
they will not understand art
they will consider their failure as creators
only as a failure of the world
not being able to love fully
they will believe your love incomplete
and then they will hate you
and their hatred will be perfect
like a shining diamond
like a knife
like a mountain
like a tiger
like hemlock


their finest art

Silêncio e um brinde

Hoje eu não vou escrever nada muito elaborado. Nem tirei a máquina de escrever da mala.
Agora, textos novos aqui só semana que vem, porque vou me dedicar ao meu livro até domingo.
Por que diabos estou escrevendo então? Escrevo para homenagear, ainda que de forma silente, as pessoas boas que restam nesse mundo.

Cheers.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Manuscritos

Sou fanático por manuscritos.

A Honestidade

A honestidade é um cachorro
com dentes de gilete.
Brinca aos domingos
de morder o próprio rabo.
Pula,
gira,
rodopia.
Honestidade é
se encarar no espelho,
deixar a espinha estourada,
fingir que não sangra.

Meus olhos são vermelhos
Batem por qualquer coisa
Meu coração é castanho
Não vê nada.

André Freitas

Pra animar um pouco

Pra dar uma animada...

Só mais um minutinho

- Boa tarde. – desejei ao vendedor com piercing no nariz e moicano laranja com roxo. Seu aspecto me remeteu imediatamente à merda de pombo da Praça da Sé.
Ficou me olhando com a cabeça inclinada, mascando chiclete. Mudo. Minha mulher olhava pra mim, eu olhava para ele, ele bufava.
Silêncio. Olhares, saco ficando cheio.
- Pois não, senhor? – finalmente uma resposta.
- Eu gostaria de saber se vocês têm um livro.
- O senhor já procurou na prateleira?
- Que papo é esse de senhor? – me alterei um pouquinho só, ego ferido é uma merda.
- Calma, amor. – minha mulher apertava meu braço.
- Dá pra você ver se tem o livro no sistema de vocês ou algo assim? Porque eu não sei como vocês organizam essa zona. Não sei se é por Autor, nome do livro, exemplares vendidos, quem paga mais... – fui interrompido por uma bufada.
- Esse cara deve ter algum problema no rabo, não para de peidar pela boca – sussurrei pra minha mulher, que ficou vermelha e olhou ao redor, pensando num plano de fuga.
A cabeça do rapaz se inclinou para o outro lado e seus olhinhos de esmeralda giraram enfadados na órbita. Olhei para minha mulher, ela suspirou e perguntou:
- Mas você quer comprar mais livros?
- Queria presentear um amigo. Ele disse que há tempos não lê um bom livro. Então vou dar a ele um bom livro.
Acompanhamos o rebolado do rapaz até o terminal mais próximo.
- O nome – disse o rapaz.
- De quem? – perguntei.
- Do Autor.
- Álvaro. Álvaro Cardoso Gomes. Você não prefere procurar pelo nome do livro? Não é mais fácil? – perguntei, esquecendo os entraves de minutos atrás.
Não consigo ficar irritado com as pessoas por muito tempo. É um defeito meu. Uma parte do sangue baiano que se mistura com o sangue alemão nas minhas veias é o responsável por isso, só pode ser. Eu fico irritado por alguns minutos, daí vem o sangue baiano e me acalma. É a ira subjugada pela água de coco.
- Não temos, senhor.
- É que é Álvaro você escreveu “Alavro” e Gomes é com “S”. Acho que você se confundiu. – esboço um sorriso forçado. Corrigir os outros é uma merda, ainda mais quando a pessoa quer que você exploda em pedacinhos bem ali, na frente dela.
Bufada. Essa foi esperada e previsível. Criatividade não é o forte desse rapaz que aparentemente é apenas um poço de simpatia.
- Senhor, temos trinta e sete livros desse autor cadastrado.
- Você fala sempre como atendente de telemarketing mesmo? Senhor isso, senhor não tenho, senhor não posso. Relaxa cara.
- Ai meu Deus – minha mulher escondeu o rosto com a mão.
- Qual o nome do livro, senhor?
- Como se atender um cliente numa livraria.
Silêncio. Rebolada sem sair do lugar. Uma mão arrumando o cabelo e a outra na cintura. Minha mulher encabulada. Fiquei esperando ele começar a escrever para falar o nome do livro de verdade. Ele, talvez um pouco acostumado com esse tipo de atitude ficou esperando a retificação. Sou bem paciente.
Lá foi ele, digitando: como se aten...
- Desculpa – disse. – Esse é outro livro. O que eu quero mesmo se chama Boneca Platinada.
Nem bufada nem rebolada dessa vez. Acho que peguei pesado. Não sou fã desse meu jeito de lidar com as situações e tratar as pessoas. Aprendi a ter estômago, seja pra agüentar as pancadas ou para não vomitar de nojo. Perdi muitas oportunidades por besteira e frases que jamais deveriam ter nascido. Minha mulher briga comigo, o gato vomita no meu travesseiro e minha editora me ignora; eu não aprendo a lição.

- Senhor...
- Amém. – interrompi.
O rapaz desferiu uma olhada fulminante. Com certeza ele faria um estrago se pulasse no meu pescoço com aquelas unhas negras, cintilantes, afiadas. Minha mulher pressentiu isso, deu um passo a frente, ficando entre o vendedor e eu. Coisas de mulher.
- Amor, vamos vai.
- Não temos o livro. – disse o rapaz e imediatamente fechou o programa de busca do computador.
- E da Márcia Denser? Tem algum?
- O senhor já procurou na prateleira?
- Achei que pelo sistema era mais fácil – respondi.
- Obrigado. – respondeu minha mulher, pegou meu braço e me tirou de lá.
- Dá pra acreditar nisso? – perguntei indignado.
- Deixa isso pra lá, amor.
- É assim que se lida com literatura hoje em dia. – disse indignado, imaginando o dia que alguém entrasse numa livraria, pedisse um livro meu e tivesse esse tratamento.

Passamos em mais quatro livrarias depois disso. Antes de perguntar pra qualquer atendente fui até as prateleiras e procurei os livros. Com dificuldade os encontrei escondidos, camuflados entre os mil trabalhos feitos com base na obra do Machado de Assis, Vinicius de Morais e outros anacronismos insuportavelmente modernos. Não tenho nada contra os clássicos, ao contrário, respeito-os muitíssimo. No entanto, esconder os novos entre os escombros dos livros de culinária e antologias com nome de apostila escolar é demais pro meu fígado.
Encontrei apenas um exemplar de Diana Caçadora - Tango Fantasma e duzentos do Harry Potter, sem falar nos milhares de títulos sob a chancela de J.B. Robb, Meyer e afins. E não digo isso com intuito de incitar uma discussão acerca da qualidade de cada autor. Isso eu deixo pros acadêmicos e entendidos do assunto. Eu posso apenas falar por mim (ou seja, o azar/risco é todo meu). Se me perguntarem – nunca perguntam...- eu digo com toda segurança que a Diana empala qualquer contendedora apenas com o olhar, muito embora ela seja chegada em alguns vampiros. Mas isso é apenas minha opinião.
- Puta merda. Esqueci de um livro. – lembrei deitado na cama, enquanto minha mulher estava no banho.
Entrei no site da livraria. Não encontrei o livro. Entrei em outro. Seis semanas pra chegar. Porra! Seis semanas pra chegar um livro é demais. Até lá já me analfabetizei por inteiro. Decidi ligar pra vendas on-line.
Vendedora eletrônica me dando boas vindas. Respondo. Digo os números que ela manda eu repetir, sigo tudo à risca como rapaz obediente e espero pela atendente.
- Loja X, Shirl... (não entendi o nome dela), em que posso ajudar?
- Desculpa. Quem ta falando? – perguntei.
- Shirl... (não entendi o nome mesmo, desculpa moça, vai ficar sem os devidos créditos nessa aqui).
- Então. Eu gostaria de comprar um livro.
- O Senhor já procurou no site? – ela perguntou.
- Eu achei que era mais fácil procurar no sistema. Acho que é mais rápido.
- Sei... – respondeu a atendente. Shir... (não entendi mesmo seu nome). – Qual o nome?
- De quem? – perguntei.
- Do Autor.
- Gustave Flaubert.
- Hã – grunhiu a atendente.
- Gustave Flaubert – repeti.
- Só um minutinho.

Muitos minutos se passaram e eu fiquei ouvindo Chopin pelo telefone, depois Bach, depois “só mais um minutinho”. Meu saco com uma puta coceira. Minha mulher deita do meu lado, massageia minhas costas. Repetem o Chopin, “só mais um minutinho”. Vivaldi na primavera, as mãos da minha mulher nas minhas pernas, seus lábios no meu pescoço. “Só mais um minutinho” repete a atendente pela terceira vez.
- Quer saber, foda-se a literatura.
Joguei o telefone no chão e avancei na minha mulher.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Born into this

Dinosauria, we
Charles Bukowski

Born like this
Into this
As the chalk faces smile
As Mrs. Death laughs
As the elevators break
As political landscapes dissolve
As the supermarket bag boy holds a college degree
As the oily fish spit out their oily prey
As the sun is masked
We are
Born like this
Into this
Into these carefully mad wars
Into the sight of broken factory windows of emptiness
Into bars where people no longer speak to each other
Into fist fights that end as shootings and knifings
Born into this
Into hospitals which are so expensive that it’s cheaper to die
Into lawyers who charge so much it’s cheaper to plead guilty
Into a country where the jails are full and the madhouses closed
Into a place where the masses elevate fools into rich heroes
Born into this
Walking and living through this
Dying because of this
Muted because of this
Castrated
Debauched
Disinherited
Because of this
Fooled by this
Used by this
Pissed on by this
Made crazy and sick by this
Made violent
Made inhuman
By this
The heart is blackened
The fingers reach for the throat
The gun
The knife
The bomb
The fingers reach toward an unresponsive god
The fingers reach for the bottle
The pill
The powder
We are born into this sorrowful deadliness
We are born into a government 60 years in debt
That soon will be unable to even pay the interest on that debt
And the banks will burn
Money will be useless
There will be open and unpunished murder in the streets
It will be guns and roving mobs
Land will be useless
Food will become a diminishing return
Nuclear power will be taken over by the many
Explosions will continually shake the earth
Radiated robot men will stalk each other
The rich and the chosen will watch from space platforms
Dante’s Inferno will be made to look like a children’s playground
The sun will not be seen and it will always be night
Trees will die
All vegetation will die
Radiated men will eat the flesh of radiated men
The sea will be poisoned
The lakes and rivers will vanish
Rain will be the new gold
The rotting bodies of men and animals will stink in the dark wind
The last few survivors will be overtaken by new and hideous diseases
And the space platforms will be destroyed by attrition
The petering out of supplies
The natural effect of general decay
And there will be the most beautiful silence never heard
Born out of that.
The sun still hidden there
Awaiting the next chapter.

There´s still time

Obviamente não sou crítico de cinema, nem de literatura, nem de teatro, muito menos de culinária. Também não sou comentarista de esportes, não tenho coluna social e o livro da Glória Khalil que minha tia me deu de aniversário eu troquei por três obras do Marquês de Sade. Não entendo quase nada de Direito, Administração, Economia e Poesia, deveria?
Sou casado, não tenho filhos, tenho um gato, um cachorro e, como hobby estrangulo periquitos que assobiam Sweet Child O´Mine do Guns and Roses aos domingos ( fiquem tranqüilos, estou tratando da minha bipolaridade com muito Polaramine e Amarula). Tento, outrossim, curar a minha fixação por dizer à torto e à direito aos outros que sou casado, tenho um gato, um cachorro e que estrangulei um periquito, sempre com muita Amarula, Polaramine e remédio pra calvície. Por fim, eu não gosto de blogs (???), mas eu gosto de escrever. E gosto muito dessa peça que está para sair de cartaz no próximo dia 28 de maio.

Monólogos de Uma Velha Apresentadora, estrelando Alberto Guzik e Chico Ribas. Escrito pelo Marcelo Mirisola, um escritor famoso que tem fama de Maldito não sei por que diabos. Mas isso eu disse em outra oportunidade e só vou me repetir quando achar que ninguém mais lembra nem de mim, nem do que eu disse – isso deve dar uma semana ou duas.

Além do texto muito bem escrito, a atuação do Guzik e do Chico Ribas são surpreendentes. Digo isso porque neste monólogo você ri, pensa e se impressiona, quase tudo ao mesmo tempo.

Agora um pequeno infante, um menininho se aproximaria de mim, com olhos de cachorro abandonado faminto, olharia nos meus olhos e perguntaria: “Seu Bostó, mas por que caralho você tá falando disso aqui?”.

Eu respondo, pequeno Jimmy, eu respondo!

Eu recomendo essa peça por uma questão de gosto (ah vá!) e para tentar recolocar a palavra merecimento de volta ao dicionário. Quero que as pessoas ao consultar o Sr. Aurélio se lembrem do que é ter mérito e o quanto isso é importante e necessário (momento redação da FUVEST). Não pequeno Jimmy, não estou me referindo àquela medalha que você ganhou na escola, mesmo sem saber dar uma única cambalhota. Me refiro ao merecimento real, nada de honra ao mérito pra mamãe achar que você ao menos tem capacidade pra jogar queimada.

Eu particularmente não me lembro da última vez que alguém foi reconhecido por alguma coisa boa que fez ou pela criação de algo de qualidade, in casu. Digo realmente reconhecido, com louros da vitória, modelo peituda e cheque gigante estilo americano. Esclareço que ser reconhecido pela mãe, pai, avô/avó, namorado(a), cachorro, gato e periquito que assobia Sweet Child O´Mine não conta; eles provavelmente limparam a sua bunda, acham o seu arroto sexy e propagam que você é a reencarnação de algum ente divino por nessa idade ainda conseguir roer as unhas dos pés.

Talvez a culpa seja minha. Eu tenho problemas com mérito. Só consegui esse blog porque paguei para a minha esposa (“Se você odeia blog, por que ter um?”, ela diz. “Ah amore, vai ser legal falar do meu nariz escorrendo, de limpar a bunda, coisa e tal” eu suplico. “Não sei” ela é dura na queda. “Deixa vai, deixa vai, deixa!” de joelhos. “Cinqüenta conto e a cama só pra mim por uma semana” essa menina devia vender enciclopédias on-line). Se dependesse de mérito eu jamais teria saído da sétima série.

O texto da “Velha” é inteligente, rápido e pra quem sabe os bastidores dos teatros de revista e de algumas personalidades pátrias (que também acho que se esqueceram o que é mérito), é surpreendente; como foi que o escritor conseguiu todas essas informações secretas? E outra, porque será que a Globo ainda não mandou ele pra fora do país como fez com a Glória Maria? Só vendo a peça pra saber que informações secretas são essas e porque esse escritor ainda está entre nós.
O Guzik lembra meu pai (palavras do Massa). Além disso, tem mais tempo de palco do que urubu de vôo. No blog dele, ao lado, tem um post falando do dia em que acabou a luz no teatro e ele, com as técnicas de indução coletiva do Subconsciente do Dr. Joseph Murphy, enganou todo mundo e fez com que achássemos que tudo fazia parte da encenação teatral.
O Chico Ribas é um rapaz que rouba a cena – palavras de um colega de trabalho que perguntou se tinha jeito de tirar uma foto com o menino. “Acho que tem que ter um certo mérito”. Respondi. Meu colega não tem mérito nenhum, então ficou sem a foto. Por sinal, nesse dia do apagão o Chico Ribas teve um “insight”, uma inacreditável rapidez no raciocínio que o levou a ser aplaudido quase de pé. Manda muito bem o rapaz.

Enfim, porque toda a propaganda? Por que é uma excelente peça e ninguém fala nada. Por ser o trabalho de gente capacitada, inteligente e que faz as coisas com o coração e com a alma. É possível ignorarmos isso? Ignorar o suor e o esforço do coração e da alma?
Contenha as lágrimas pequeno Jimmy.

Eu entendo que é mais proveitoso ir na peça do primo do seu amigo e aplaudir mesmo após ter dormido os três primeiros atos e ter ficado brincando com o Iphone no momento final; eu entendo que se te pagassem você iria tranquilamente até o Camboja, mesmo sem fazer idéia onde fica esse lugar; eu sei que contatos é a alma do negócio e que ninguém vai ler esse post por que me falta mérito (e talento, mas não preciso ser meu algoz, não agora). Não se pode ignorar a porra de um trabalho bem feito.
Daqui alguns anos, pequeno Jimmy, não haverá mais nada de qualidade nesse mundo; não haverá nem livros, nem peças, nem música, nem pornografia de qualidade. Terão apenas os filhos, primos, padrinhos e suas respectivas companheiras e periquitos que assobiam melhor que eu e cujo o mérito eu sei que eles têm em algum lugar entre o BBB e o top 10 de qualquer revista íntegra e compromissada com tudo menos com aquela coisa... como chama... é... ah sim... o mérito.

Eu entendo que colocar a patotinha exclusiva dos churras de domingo na tevê deve ser bem legal, como deve ser bem legal institucionalizar o bingo do puteiro e o futebol de quarta-feira. Mas a cultura deve ser isenta de tudo isso, sob pena de perdermos o controle e não termos, dentro de algum tempo, nada que preste pra ver ou fazer. Meio sério o problema.

É tarde e eu não tive tempo de re-ler o post, nem de melhorar as piadinhas e nem de ver se tudo isso fez sentido; o tempo voa. A peça saí de cartaz no dia 28 de maio, data em que pretendo estar lá – podem levar as câmeras fãs de plantão.


Eis o link da peça:

http://satyros.uol.com.br/noticia.asp?id_destaque=21

Na semana que vem tratei um texto bem trabalho, bem escrito, digno de mérito para o deleite de vocês.

Até lá.

Do Ranho e Outros Otimismos

Essa noite minha mulher decidiu que devíamos mudar o nosso jeito de ser. Uma dessas idéias que só temos em entre uma sessão de prisão de ventre e peidos meia-bomba. Obviamente, concordei. Estou um pouco cansado de mim mesmo e gosto de aproveitar as oportunidades que tenho para recomeçar. Culpo o Drummond por isso e a professora de português da quinta série que fazia a gente ler poesia em voz alta. Não entendia como alguns moleques conseguiam ler tão bem enquanto eu só gaguejava e tremia. As palavras ininteligíveis – bem, era um poema, afinal. Sou uma vitima das lousas e giz colorido; vítima do sistema educacional. Recomece, recomece, recomece.

Vamos começar pela rinite.

De manhã eu acordo e digo bom dia pra minha mulher na forma de um espirro na cara do gato. Toda noite ele dorme em cima do pescoço dela. Ele pula pra fora da cama e me dá uma olhada dizendo: “vou cagar no seu sapato, seu maldito”. Lambe a pata e saí andando. Minha mulher acorda e responde com outro espirro. Eu espirro, ela responde. Chega o cachorro com o rabo abanando e o prato de comida vazio na boca. Ela espirra, eu espirro. Toda manhã a mesma canção. “Bas que berda de rinite”. Olhos vermelhos, lacrimejantes e nariz parecendo uma porra de um tomate. Puxo o ranho com tanta força pra dentro que acho que minha traquéia não vai agüentar o tranco. Ela pigarreia e cospe na pia do banheiro. O gato brinca com o cachorro. “Bevizamos bazer alguba coisa”, ela diz. Eu puxo o ranho. Pego dois alergênicos e mando pra dentro junto com o remédio pra careca. Três horas depois eu to melhor. Muito mais otimista e feliz. O nariz fica com cara de tomate o dia todo.

Os doidos por limpeza que fiquem espertos. Se no ônibus vocês avistarem um cara com óculos de tartaruga, gravata preta com o nó feito que nem o rabo e camisa mal abotoada, não deixem que ele sente do seu lado, porque eu vou fazer estrago. Uma vez, graças a mim, uma mulher fez questão de levantar e ficar de pé no ônibus – sendo encoxada e apalpada quase o caminho todo - da praça da Sé ao terminal Santo Amaro. Não suportou dez minutos dos meus espirros. A gota d´água foi quando eu espirrei – coloquei as mãos na boca é claro -, e limpei as mãos ranhentas debaixo do banco. Achei que ela fosse vomitar. Eu olhei pra ela, olhos lacrimejantes, cara de bunda e espirrei (sem por a mão na boca é claro). Ela se levantou. Olhares reprovadores sob minha cabeça quase calva e um lugar vazio do meu lado.

A vida é mais ou menos isso. Gente espirrando como se não houvesse amanhã. Reclamando e limpando a mão no assento do cara do lado, fingindo dormir pra não deixar a velhinha sentar. Vivemos em comunidade. O homem é um ser social. Meu ranho, seu ranho. Compaixão. Ninguém nunca me ofereceu um lenço. Nunca!

É a poluição. É o ar. É a mudança de tempo e o pelo do cachorro. É a puta que o pariu e o nariz escorrendo. Chá de Erva-de-São João e os alergênicos feitos à base de cocaína e farinha de rosca. É a bida de saco cheio de bim e eu cusbindo na cara da bida. Espirrar pra cima é espirrar nas canelas de Deus. Ônibus sem janelas me deixam com dor de cabeça. Atchiu na cabeça da pessoa no banco da frente. Saúde.

Entre pensamentos otimistas e quedas no chão da cozinha, descubro que estou com labirintite. Deve ser overdose de Polaramine misturado com Ovomaltine com Amarula. Criações gastronômicas da minha esposa, que não pode faltar no trabalho e me deixa com o gato deitando na cara e o cachorro correndo atrás da própria sombra. Os prazos fatais ululam na minha agenda e eu to deitado num gira-gira no escuro. Ela me liga avisando que vai se atrasar, tacaram fogo nos ônibus lá na Zona Leste, vai esperar os bombeiros apagarem o incêndio e pegar uma carona até o metro. “As pessoas ainda dão carona?” perguntei. Ela espirra. Deve ser a fumaça que saí do pneu queimado e dos bancos cheios de ranho sendo esturricados. “Vê se faz alguma coisa pra você comer, porque eu vou demorar.” As paredes tão girando e o gato pesa uns quatro quilos. Tá em cima do meu pescoço. Não consigo respirar direito. Vontade de espirrar na cara de alguém que lê o Crepúsculo. A porra do quarto tá um breu, girando, girando.

O celular toca. “Boa noite Senhor André, meu nome é Gisvanleine. Eu sou da Tim...”. Eu espirro e desligo. Me sinto bem melhor agora. Esse negócio de ser otimista é realmente um barato. Pra variar, minha mulher estava certa. Amanhã vai ser outro dia. Vou acordar mais cedo para tomar café direito – acrescentar pão com manteiga ao café puro, Polaramine e remédios para careca -, alimentar o maldito cachorro e, à guisa de pentelhação, dar um banho no gato. Tudo regado a muito Ovomaltine com Amarula. Nariz escorrendo, sempre.