domingo, 31 de outubro de 2010

Delírios, Vertigens e Outras Realidades



Como vão amigos? Queria ter escrito antes. Não consegui,
culpa do trânsito,
da correria,
da tristeza,
Não, tristeza, não.
Nunca.
Quando nos encontrarmos vocês vão ver que estou mais magro; acreditam que ando correndo tanto que só percebi ontem que não tem mais floricultura, nem mercado ou o Seu Messias na esquina da rua, sentado na cadeira de praia, dizendo:
- Vai com calma.
Demorei para descobrir que o Seu Messias virou um eco. Se me perguntarem, não saberei dizer o que aconteceu. Direi que sumiu desde não sei quando, muito embora, eu acho que o ouço dizendo
- Vai com calma,
lá no fundo da minha cabeça ou do outro lado do espelho, pela manhã ou logo quando eu volto do trabalho.
Não sei.
Eu e ela estamos firmes. A casa ficou linda, espero que consigam visitar-nos um dia. Nos vemos pouco, mas enquanto ela dorme fico encarando seus os olhos, a testa, esperando a boca se mover, entregar algum segredo, alguma angústia que guarda escondida no peito.
(Não me diga que não guarda.
Não diga.
Eu sei.)
Não diz nada.
Ainda tenho problemas para dormir. Não funcionou aquele remédio que me indicaram, uma pena. Gostaria de conseguir dormir ao lado dela.
Dei para ter a impressão que da nossa janela alguém
(talvez Seu Messias)
diz vai com calma;
mas pode ser o vento, os galhos das árvores, os sonhos dela tentando fugir.
Um dia desses, na época em que Seu Messias sabia a hora em que chegávamos e saíamos, ela me pediu para escrever algo sobre ela,
- Pra ficarmos sempre juntos
ou
- Pra que esteja sempre na sua cabeça.
- Você sempre está na minha cabeça.
Ela sorriu sem acreditar, me deu as costas para dormir.
Acho que desconfia que a encaro madrugada a dentro
- O que é que você está olhando?
Então eu levantei, peguei meu caderno e escrevi as nuvens tiradas de músicas de criança, com gosto de algodão doce; escrevi lembranças gasosas de refrigerante no parque, estrelas em forma de coração, restaurantes com mesas suspensas no ar.
Ela não gostou.
- Que lindo
Colocou o papel não sei onde, perto das jóias antigas, das blusas que nunca usou,
- Fico feliz que tenha gostado.
Isso foi só uma vez. Uma única vez.
E vocês amigos? Como estão?
Queria ter mais coisas para contar, falar dos meus planos. A correria é tanta, que nem percebi que o Seu Messias...

Não sei se devo contar de como eu planejo fugir.
Dos meus sonhos,
fugir do que venho armando,
fugir.
Vai com calma.
Deixarei os cachorros com a minha mãe, os porta-retratos; do Chico vou levar o ao vivo para dançar com ela; levarei também um Drummond, uns suspiros, uns sonhos,
Tristezas, não, nunca,
Um chinelo de dedo, talvez.
Vai ser o que Deus quiser
(Se é que já não é).
Uma cigana me parou na Sé,
pediu uns trocados, um pouco de comida e disse que eu era um caso grave, desses que não tem solução, sem cura, sem pneumotórax, banho de sal grosso, novenas, promessas, romarias, livros de auto-ajuda, passes, hipnoses, nada. Nem um
Vai com calma
me ajudaria.
Nem a poesia.
Poesia, é?
Então ela deixou de falar para cair, estrebuchar, e rolou, e virou uma pomba, bicou o chão, futucou o lixo em pulinhos breves, me encarou com seus olhos vermelhos, querendo dizer
Nem a poesia,
E não dizendo. Pisou nas cartas de amor perdidas, misturadas com as guimbas de cigarro e uma lágrima que eu chorei sem querer e quase a atingiu.
Hoje eu tenho certeza que eu sou um caso grave, de aparecer nas capas de revista, de servir de paradigma, sofro de
Delírios
Vertigens,
Vivo em outras realidades,
Rodeado de pombas curandeiras, homens voadores, lembranças sentadas em cadeira de praia dizendo:
Vai com calma.
Amigos,
Tenho vontade de virar pescador ou lavrador, ficar enrugado de tanto Sol, de ter dois filhos, um papagaio, uma cachorra chamada Baleia e não saber ou sentir saudades de nada.
Tristeza, não, nunca.
Não sentir saudades da pureza que hoje não reconheceria se topasse com ela na fila do pão ou do cinema.
Não sentir nada, que bom seria.
Definitivamente levarei um chinelo de dedo.
Meus amigos, quis contar as novidades, porém fiquei apenas nos
Delírios,
Vertigens,
Outras realidades,
Coisas sem sentido, sonhos que correm em vias de duas mãos.
Contudo, saibam que guardo um tiquinho de fé, de esperança, de que nenhum caso é grave como dizem os pássaros da Sé e que tudo será
Como Deus quiser,
(Se é que já não é,)
Espero que me reconheçam caso dêem comigo na rua, no ônibus e espero que me falem das boas novas, porque da minha parte, por enquanto, tenho apenas meus
Delírios,
Vertigens e
Outras realidades.
E seja o que Deus quiser,
Se é que já não é.

Um beijo.
R.B.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Fim do Mundo - R.B.

- Pera aí, não se mexe,tem uma pétala de rosa na tua boca,
não me pergunte de onde ela saiu, mas estava aí, eu juro.
- Pronto.
Saiu? Como ela foi parar aí?
Queria te mostrar, era uma pétala linda, deve ter caído de alguma árvore e foi parar bem no canto da sua boca, perto daquela pintinha quase imperceptível que você tem em cima do lábio, aquela que eu gosto de beijar quando você se irrita,
eu teimo em buscar pétalas de rosa na sua boca.
Eu juro que tinha. Era uma pétala rosa,
linda.
- Eu juro que tinha,
Você pode não acreditar, mas às vezes eu vejo estrelas no fundo dos teus olhos, pode ser reflexo das que estão no céu, pode ser qualquer coisa, mas eu me perco e começo a imaginar coisas; você sabe, eu gosto de viajar, sem precisar de malas, gasolina, parada no posto para ver se está tudo bem, comprar chiclete, amendoim, água para a estrada. Plano de vôo, passagens.
Não fecha os olhos,
que eu quero me...,
Vamos até o fim do mundo.
- Opa. Mais uma.
Deve estar chovendo rosas, que é a segunda pétala que aparece no seu rosto.
Lá no fim do mundo, para onde vamos, isso não vai acontecer, prometo.
Você é linda.
Viajando,
nossos filhos serão lindos. Eu com certeza viajarei nos olhos deles, e verei estrelas cadentes, via lácteas, planetas, pontes, pedras, pés minúsculos de bebezinhos saudáveis; mas só com você eu vou até o fim do mundo, é perigoso para eles viajar por esse céu sem cinto de segurança, sem preocupação com as estações de rádio, que vão enlouquecer e de repente deixar-nos à sós para rir da vida, invejar os animais livres, os pássaros voando, beijando as nuvens; planejaremos nossa casa, os quartos, a cor do armário da cozinha, a cor das cadeiras, da nossa rede,
lá no sossego do fim do mundo.
- Vai chover.
Eu sei.
Só não me peça para ir embora.
Esse campo é mais aconchegante que minha cama (você sabe); ando me estranhando com meu criado mudo, com o rádio-relógio que herdei da minha vó e toda manhã toca a rádio errada. Toda manhã a mulher do tempo erra, mesmo quando diz
- Hoje teremos um bom dia.
Ela erra.
Todo mundo erra, você me diz, vez ou outra, para me acalmar, me tocando com as suas mãos quentes, calmas, cheirando estrada e céu azul.
Suas mãos têm cheiro de céu azul.
Eu insisto nessa coisa de chuva.
Não me diga que quer ir embora.
É cedo.
Daqui a pouco vai surgir a Lua, bem melhor vê-la daqui do que pela televisão, onde ela fica sem graça, sem razão, que nem eu, a buscar nas suas fotos pétalas de rosas no teu rosto e a pintinha tão linda que você tem no canto do lábio e eu gosto de beijar sem que você saiba,
- No que está pensando?
- Não sei,
Não sei.
Hoje teremos um dia lindo.
Às vezes a gente erra.
Pode acontecer qualquer coisa desde que estejamos juntos, eu, você, as pétalas da minha imaginação, a minha viagem à Lua dos nossos sonhos, nossos filhos.
Hoje teremos um dia lindo.
Não sei.
(Preciso dormir),
É cedo. (É tarde)
Hora de fazer as malas.
Não tenho mais idade para gravar seu nome com a caneta no meu braço, pintar campos cujo verde fica embaçado na minha cabeça, chuva de pétalas e estrelas cadentes, músicas de fundo, taças de vinho, jogos de prato,
Já é tarde, hora de fazer as malas.
- Que foi isso?
De repente as luzes apagaram. Senti um medo danado do dia acabar comigo acordado, sabe,
- Não se mexe.
- O que foi?
- Fecha os olhos.
Por favor.
Vamos viajar até o fim do mundo.
Sabe, um dia eles vão crescer, vão me achar estranho, barrigudo, maluco, meus acordes fora de tom, meus dedos desajeitados procurando alguma coisa no seu rosto,
- Não se mexe.
- O que foi?
- Achei que o dia tinha acabado sem que eu soubesse.
Hora de fazer as malas.
Podemos ir de barco até o fim do mundo; lá eu vou acreditar quando a mulher do rádio disser:
- Hoje teremos um dia lindo,
lá não vou me preocupar com os dias acabando enquanto eu ainda estou acordado, e minha vida passando por mim, por ruas de terra, bezerros, pipas, praças com bicicletas caídas e borboletas pousando no seu dedo, nós rodopiando até as estrelas, pegando carona numa brisa, numa pétala de rosa, dessas que pousam no teu rosto,
- Não se mexe,
senão as estrelas vão embora.
- Não se mexe que eu vou pegar as malas,
nós vamos viajar, não vou repetir, porque se o dia ouve, ele acaba e eu posso mudar de idéia, posso acreditar, por cansaço, por medo, por não ter escolha, na mulher do rádio
- Hoje teremos um dia lindo,
Você é linda, digo enquanto busca aquela pintinha no canto da sua boca, antes que o dia acabe, antes que o criado-mudo, o rádio, as malas, nossos filhos dormindo, as estrelas fosforescentes brilhando no teto do quarto.
Te garanto que lá não teremos pressa, nem medo, nem dor, nem terão hospitais, salas de espera, entrevistas de emprego, dúvidas, trabalho para levar para casa.
É tarde,
Vamos viajar até o fim do fundo.
Pode ser hoje? Vamos fazer as malas, brincar entre as estrelas, as pétalas no seu rosto, o campo nossa cama.
Hoje, que teremos um dia lindo.