domingo, 17 de janeiro de 2010

Uma viagem

- Foi alguma coisa que eu disse?

- Eu não sei. Não me disseram nada.

- Mas, então, é só isso?

- Sim.

- Sem previsão de retorno?

- Sem previsão.

Às minhas costas deveria estar chovendo, sentia uma angústia imensa, maior do que qualquer nuvem. Estava um dia ensolarado. Os cachorros brigavam por uma calda de sombra, os buços e sobrancelhas das senhoras pingavam gotas de suor.

- Eu devo ter feito algo de errado. Não é comum mandarem pessoas para Pitrando a troco de nada.

- A mim não me disseram nada.

- Não tem, ao menos, um palpite?

- Bom, ouvi dizer que foram seus olhos.

- Meus olhos?

- Sim. Eles falam demais.

Na minha mala apenas um diário, roupas e fotografias sem rosto. Fotografias tão antigas e desbotadas que não me lembro se o casal que sorri são meus avós ou meus pais.

- E não é que conseguiram mesmo te expulsar daqui? – sorria uma senhora que tricota a mesma blusa desde que eu tinha cinco anos e quebrara sua janela com uma pedrada.

Sorria orgulhosa dos dentes que não tinha. Atrás de si, o rombo do tamanho de meu punho na janela. Quiçá minha pedra ainda repousa em cima de uma mesa de mogno, ao lado das imagens de santos e candelabros enferrujados.

- Eu voltarei logo, vou só pegar algumas assinaturas.

A velha desatou a rir até engasgar com um tufo de ar; tossia mares de fleuma, tossia a ponto de erguer as mãos num gesto de súplica, para que parasse de uma vez ou a levassem logo. A tosse não cessou, me afastei dela e de seu dedo hirto como uma espada, apontado para mim, movendo-se ao ritmo do peito e da canção que sua garganta entupida entoava.

No espelho da rodoviária topei com meu reflexo segurando uma mala e o jornal do dia. Aproximei-me; havia algo nos meus olhos, um brilho estranho, queria me dizer algo:

- Você fala demais.

No interior das minhas mãos suadas, o bilhete. Ao fundo, uma voz eletrônica chamava a todos que teriam como destino a cidade de Pitrando, para se reunirem no saguão imediatamente.

Quando cheguei no saguão um garotinho pegou minha mala e correu. Antes que pensasse em ir atrás dele, uma mulher insistiu para que eu entrasse no ônibus, cuja entrada não identificava claramente; tudo na estação estava coberto por névoa e cinza.

- Você não vai precisar dela. Não se preocupe. – Disse a mulher que recolhia as passagens.

Olhei para trás ainda pensando em minha mala e num átimo, como que sugado por um vácuo, fui engolido.

A passagem era apenas de ida.

Um comentário:

RG* disse...

Texto inesquecivel!

Quero avisar que estou de volta!