quarta-feira, 1 de julho de 2009

Três Letras

Então eu disse: sim; naquele exato momento, da voz abrindo o caminho à força entre os dentes, rolando pela língua, atingindo o ar com essas três letras: S-I-M, eu esperava ouvir o som da trombeta dourada do cúpido ou dum serafim; esperei uma mudança na feição das pessoas à minha volta, os objetos tomariam vida e dançariam em ciranda como crianças na chuva, os objetos reluziriam a ponto de machucar meus olhos... Aí eu disse sim. As paredes permaneciam pálidas, simplesmente pálidas; o copo de cristal marcado com o batom inerte ao lado do prato pouco tocado, talheres refletiam um rosto sem expressão. A única canção que chegava aos meus ouvidos vinha de suas mãos batendo na mesa, esfregava uma na outra de felicidade. Um sorriso amarelo me encarou, feliz da vida; não resisti, comecei a chorar. As minhas lágrimas fizeram-no sorrir mais, um sorriso débil, vindo diretamente da alma. Encarava meus olhos e não entendia. Eu tentava acompanhar seu sorriso - eu juro!-, mas meus lábios salgados desenhavam algo que não era sorriso, também não era dor. Ah, eu disse sim.
Mãos quentes seguravam as minhas enquanto um frio glacial percorria meu corpo em queda-livre, tremia. Meus dedos ficavam vermelhos de tão forte que as mãos do meu destino as apertava; não as soltava com medo de assustá-lo e transparecer qualquer sinceridade indesejada. Eu te amo, ele me dizia e repetia ecoando uma resposta minha. As lágrimas que insistiam em se jogar dentro do copo de champanhe me sufocavam. Um brinde, ele gritou; ergueu o copo, engoliu tudo de uma vez só, seus medos, expectativas, receios, tudo borbulhava no seu estomago vazio. Brindei às lágrimas refletidas no cristal, se misturando ao champanhe que não engoli ao todo. O sim martelava o fundo da minha nuca. Sim, sim, sim, sim! Impedia que ouvisse meu coração me perguntando, talvez.
No caminho para casa algo reluzia em minha mão, entre meus dedos, um brilho de esperança, um brilho muito parecido com aquele emanado pelos olhos dele; a luz de um sonho, do tamanho de uma pinta. Eu te amo ele dizia e repetia torcendo por uma resposta minha. Me arrancava de mim mesma, não conseguia me concentrar; me limitava às infinitas possibilidades de uma vida dedicada à família, aos filhos que não vieram, ao emprego que não desejei.
Chegamos em casa, senti suas mãos em minha cintura e seus lábios fervendo na minha nuca, dançou com meu corpo em suas mãos, sem música, sem compasso; tropeçamos na mesa e caímos no sofá. Joguei o peso do meu corpo em cima do seu. Você quer dormir, perguntou. Eu respondi que não; um não engasgado há muito tempo agora liberto. NÃO! Ele me abraçou, voltei a chorar em seus braços. Por que não saíram antes. Por que não me salvaram? A partir de hoje, pensei sentindo suas mãos em minhas coxas, seus beijos nos meus ombros, escolherei as três letras,no momento certo as direi, eu devo isso a mim.
Você está bem, ele perguntou. Sim, menti e me perdi na carta marcada jogada em cima da mesa de centro.

Um comentário:

Anônimo disse...

"Um sorriso amarelo me encarou, feliz da vida;" =)

o problema dessa sua palavra realmente nada lacunosa, que preenche uma vida inteira (ou pelo menos até o divórcio), é que ela parece papel de parede velho. aqueles que começam a descascar e o que está por baixo começa a aparecer...
até que esse SIM vai revelar o NÃO...