segunda-feira, 18 de maio de 2009

Do Ranho e Outros Otimismos

Essa noite minha mulher decidiu que devíamos mudar o nosso jeito de ser. Uma dessas idéias que só temos em entre uma sessão de prisão de ventre e peidos meia-bomba. Obviamente, concordei. Estou um pouco cansado de mim mesmo e gosto de aproveitar as oportunidades que tenho para recomeçar. Culpo o Drummond por isso e a professora de português da quinta série que fazia a gente ler poesia em voz alta. Não entendia como alguns moleques conseguiam ler tão bem enquanto eu só gaguejava e tremia. As palavras ininteligíveis – bem, era um poema, afinal. Sou uma vitima das lousas e giz colorido; vítima do sistema educacional. Recomece, recomece, recomece.

Vamos começar pela rinite.

De manhã eu acordo e digo bom dia pra minha mulher na forma de um espirro na cara do gato. Toda noite ele dorme em cima do pescoço dela. Ele pula pra fora da cama e me dá uma olhada dizendo: “vou cagar no seu sapato, seu maldito”. Lambe a pata e saí andando. Minha mulher acorda e responde com outro espirro. Eu espirro, ela responde. Chega o cachorro com o rabo abanando e o prato de comida vazio na boca. Ela espirra, eu espirro. Toda manhã a mesma canção. “Bas que berda de rinite”. Olhos vermelhos, lacrimejantes e nariz parecendo uma porra de um tomate. Puxo o ranho com tanta força pra dentro que acho que minha traquéia não vai agüentar o tranco. Ela pigarreia e cospe na pia do banheiro. O gato brinca com o cachorro. “Bevizamos bazer alguba coisa”, ela diz. Eu puxo o ranho. Pego dois alergênicos e mando pra dentro junto com o remédio pra careca. Três horas depois eu to melhor. Muito mais otimista e feliz. O nariz fica com cara de tomate o dia todo.

Os doidos por limpeza que fiquem espertos. Se no ônibus vocês avistarem um cara com óculos de tartaruga, gravata preta com o nó feito que nem o rabo e camisa mal abotoada, não deixem que ele sente do seu lado, porque eu vou fazer estrago. Uma vez, graças a mim, uma mulher fez questão de levantar e ficar de pé no ônibus – sendo encoxada e apalpada quase o caminho todo - da praça da Sé ao terminal Santo Amaro. Não suportou dez minutos dos meus espirros. A gota d´água foi quando eu espirrei – coloquei as mãos na boca é claro -, e limpei as mãos ranhentas debaixo do banco. Achei que ela fosse vomitar. Eu olhei pra ela, olhos lacrimejantes, cara de bunda e espirrei (sem por a mão na boca é claro). Ela se levantou. Olhares reprovadores sob minha cabeça quase calva e um lugar vazio do meu lado.

A vida é mais ou menos isso. Gente espirrando como se não houvesse amanhã. Reclamando e limpando a mão no assento do cara do lado, fingindo dormir pra não deixar a velhinha sentar. Vivemos em comunidade. O homem é um ser social. Meu ranho, seu ranho. Compaixão. Ninguém nunca me ofereceu um lenço. Nunca!

É a poluição. É o ar. É a mudança de tempo e o pelo do cachorro. É a puta que o pariu e o nariz escorrendo. Chá de Erva-de-São João e os alergênicos feitos à base de cocaína e farinha de rosca. É a bida de saco cheio de bim e eu cusbindo na cara da bida. Espirrar pra cima é espirrar nas canelas de Deus. Ônibus sem janelas me deixam com dor de cabeça. Atchiu na cabeça da pessoa no banco da frente. Saúde.

Entre pensamentos otimistas e quedas no chão da cozinha, descubro que estou com labirintite. Deve ser overdose de Polaramine misturado com Ovomaltine com Amarula. Criações gastronômicas da minha esposa, que não pode faltar no trabalho e me deixa com o gato deitando na cara e o cachorro correndo atrás da própria sombra. Os prazos fatais ululam na minha agenda e eu to deitado num gira-gira no escuro. Ela me liga avisando que vai se atrasar, tacaram fogo nos ônibus lá na Zona Leste, vai esperar os bombeiros apagarem o incêndio e pegar uma carona até o metro. “As pessoas ainda dão carona?” perguntei. Ela espirra. Deve ser a fumaça que saí do pneu queimado e dos bancos cheios de ranho sendo esturricados. “Vê se faz alguma coisa pra você comer, porque eu vou demorar.” As paredes tão girando e o gato pesa uns quatro quilos. Tá em cima do meu pescoço. Não consigo respirar direito. Vontade de espirrar na cara de alguém que lê o Crepúsculo. A porra do quarto tá um breu, girando, girando.

O celular toca. “Boa noite Senhor André, meu nome é Gisvanleine. Eu sou da Tim...”. Eu espirro e desligo. Me sinto bem melhor agora. Esse negócio de ser otimista é realmente um barato. Pra variar, minha mulher estava certa. Amanhã vai ser outro dia. Vou acordar mais cedo para tomar café direito – acrescentar pão com manteiga ao café puro, Polaramine e remédios para careca -, alimentar o maldito cachorro e, à guisa de pentelhação, dar um banho no gato. Tudo regado a muito Ovomaltine com Amarula. Nariz escorrendo, sempre.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá André Freitas!!!

Gostei muito do seu blog! Seus textos tem algo a maiss...irreverencia, sinceridade, criatividade...talvez tudo isso, talvez um pouco de cada.... só sei q são bons e você já tem um fã!!! Aguardo o lançamento de seu livro que sei que está trabalhando nele! Estou ansiosa para ler!!!

Um abraço de sua admiradora não tão secreta. Vai ai uma dica 1+1=1